A agenda económica ou a história do burro do Ronha

José Manuel Costa. Desequilíbrio

A versão original deste texto foi publicada no jornal ComUm online: http://comumonline.com/opiniao/item/640-a-agenda-economica-ou-a-historia-do-burro-do-ronha.

A AGENDA ECONÓMICA OU A HISTÓRIA DO BURRO DO RONHA

No que respeita a assuntos económicos não sou pessoa entendida, sou, apenas, pessoa atingida. Todos falam em colocar a economia na agenda: presidência, governo, oposição, comentadores e parceiros sociais. Quem diz economia subentende crescimento económico.

O crescimento económico e o equilíbrio financeiro são faces da mesma moeda. Entre ambos existe uma tensão. A esta, Portugal acrescenta aquela que existe entre o Estado e o sector financeiro. Algemados, nem sempre puxam para o mesmo lado. Cresceram excessivamente nas últimas décadas, à custa de sectores como a indústria ou a agricultura. É possível imaginá-los sentados num sobe e desce: ora engordas tu, ora engordo eu. De momento, o Estado carece emagrecer e a finança engordar (ver as caricaturas de Celeste Semanas e José Manuel Costa, alunos do Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura).

Celeste Semanas. Equilíbrio

Como colocar a economia na agenda? O passado não é exemplo. O Estado não pode continuar a promover o investimento público para empregar empresas. Corre-se o risco de nem desenvolver o País nem modernizar as empresas. Falando à moda do Velho do Restelo, é uma política “consumidora conhecida de fazendas, de reinos e de impérios!”

As discussões que envolvem economistas e políticos tendem a ser controversas. Mas pronuncie-se a palavra competitividade e logo Moisés desce da montanha para instaurar uma comunhão de intelectos. A competitividade é o ponto G da reflexão económica e, desgraçadamente, o talão de Aquiles da economia portuguesa.

Que fazer? Para variar, pode-se começar pelo básico: evitar que uma empresa portuguesa qualquer seja, logo à partida, só porque é portuguesa, menos competitiva do que as suas concorrentes estrangeiras.

A factura energética é decisiva para as empresas: em Portugal, a electricidade e os combustíveis constam entre os mais caros da Europa. Por sinal, consta que a Troika se mostrou chocada com os lucros de empresas como a Galp ou a EDP.

Os transportes são uma necessidade para as empresas. Os combustíveis, as auto-estradas, os portos e os aeroportos estão entre os mais caros da Europa. Esta desvantagem competitiva piorou com a introdução das portagens nas SCUT. Neste capítulo, andámos para trás.

O financiamento é o principal problema das empresas. Em Portugal, o acesso ao crédito é mais difícil, mais moroso e mais caro do que nos países parceiros da Europa. O mesmo acontece com os seguros de crédito.

A justiça é incontornável para as empresas. Algumas até têm um serviço jurídico. A justiça é escandalosamente lenta e incompreensivelmente imprevisível. Há quem sustente que o estado da nossa Justiça é o principal repelente de investimento estrangeiro. É, também, um peso morto do investimento nacional. Como pode a cobrança de uma dívida ser uma via sacra? Há empresas que vão à falência não só porque não conseguem pagar as dívidas mas também porque não as conseguiram cobrar.

O entorno também faz diferença. É o caso da acessibilidade, qualidade e custo dos bens e serviços disponíveis na proximidade. Mas é, também o caso, da economia paralela, exorbitante em Portugal. Empresas multinacionais deslocalizaram-se para o estrangeiro alegando problemas de entorno.

De taxas e de impostos, o melhor é não falar para os não espevitar.

Estes custos de contexto corroem a competitividade das empresas portuguesas. António Saraiva, Presidente da Confederação de Portugal, classifica-os como “pedregulhos na estrada do crescimento”. Às vezes, parece que permanecem adormecidos na agenda política. A Troika calendarizou intervenções nestas áreas, incluindo a justiça. O governo tem vindo a adiá-las. Talvez esteja em fase de aquecimento. Só que, enquanto o governo aquece, o País arrefece.

Os recursos humanos são das poucas rubricas favoráveis à competitividade das empresas portuguesas. Não pela organização ou pela qualificação, mas pelos baixos salários. Por aqui começou a tesoura do “ajustamento”. Cortes nos vencimentos; cortes nos direitos. Com efeitos arriscados ao nível do crescimento económico. À falta de melhor, raspa-se o tacho dos trabalhadores, privados e da função pública. Este raspar lembra-me a história do burro do Ronha. Ronha era um agricultor que tinha um burro. Acudiu-lhe um dia que se o burro não comesse lucrava mais. Desabituou o burro de comer. Por azar, o burro, mal se desabituou de comer, morreu! Os portugueses ainda não morrem, mas emigram!

Estimo o actual governo convicto e decidido. Menos pelo que fez e mais pelo que promete. Não é preciso ser-se hercúleo para cortar subsídios, apagar feriados ou reduzir indemnizações. Coragem não é vergar os fracos, embora sejam muitos; coragem é enfrentar os fortes, embora sejam poucos.

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