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Pintar o campesinato: Jean-François Millet.

Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.

Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.

Na disciplina de Sociologia da Arte, estamos a dar os impressionistas, com recurso a um docudrama da BBC (The Impressionists, 2006). Conjugar o passado no “futuro anterior” é uma tentação. Apostar no que interessa é outra. Ambas constituem uma forma de cegueira. A abertura e a dispersão são mais do que uma distracção. A focagem apaga mais do que ilumina. E, no entanto, cada momento histórico encerra uma riqueza inesgotável.

Jean-François Millet. Hunting Birds at Night.  1874.

Jean-François Millet. Hunting Birds at Night. 1874.

Para Ernst Bloch, a investigação não se pode cingir ao que existiu, importa convocar também o que poderia ter acontecido, embora não se tivesse concretizado. Se a história está repleta de impossíveis realizados, ainda mais apinhada está de possíveis por realizar. A floresta não tem só caminhos e clareiras. Mas a bússola tende a reter do passado apenas aquilo que desagua no presente, resumindo-o, de preferência, em poucas palavras. E, no entanto, para aprender a humanidade toda a humanidade é pouca. Pelos vistos, acabaram as grandes narrativas… Sobram as grandes palavras: pós-modernidade; hiper modernidade, pós-humanidade, hiper realidade, hiper pós… Uma procissão que teima em não se aventurar por entre as árvores da floresta. Esta pedagogia do caminho batido e do olhar filtrado conforta a ilusão de que o presente é uma espécie de bacia da história da humanidade.

Jean-François Millet. Descanso ao meio dia. 1866.

Jean-François Millet. Descanso ao meio dia. 1866.

Van Gogh. A Sesta.  1890

Van Gogh. A Sesta. 1890

Em França, na segunda metade do século XIX, para além dos academistas e dos impressionistas, houve outros artistas envolvidos na disputa em torno do que devia ser a arte. Dentro e fora da Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Fora, abriram caminho, entre outros, o realismo (e.g. Jean-François Millet e Gustave Courbet) e o simbolismo (e.g. Gustave Moreau e Odilon Redon).

Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73

Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73

Jean-François Millet (1814-1875), francês, filho de camponeses, precursor e referência do realismo, fundador da Escola de Barbizon, frequenta vários cursos de pintura graças a uma sucessão de bolsas. Ao dedicar-se, com estilo próprio, à pintura de camponeses humildes, afasta-se claramente do estilo académico: “Le style académique ne pousse pas tant les artistes à trouver leur propre style qu’à se rapprocher d’un idéal qui repose sur quelques principes; simplicité, grandeur, harmonie et pureté” (http://www.mutinerie.org/les-lieux-de-travail-qui-ont-change-lhistoire-3-les-ateliers-dartistes/#.Uwfb4fl_tih). No quadro As Espigadoras, 1857, retrata as camadas mais baixas da sociedade: três mulheres camponesas rebuscam grãos de trigo após a colheita.

Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.

Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.

Salvador Dali.The Angelus. 1935.

Salvador Dali.The Angelus. 1935.

Millet teve influência nos pintores impressionistas, nomeadamente Van Gogh, que retoma algumas cenas. Por outro lado, Salvador Dali não só retoma O Angelus (1857–59), como lhe dedica um livro: Le Mythe Tragique de l’Angélus de Millet, 1ª ed. 1938, Paris, Allia Editions, 2011.

Millet. Two Men Turning Over the Soil. 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.

Millet. Two Men Turning Over the Soil. 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.

Na sociologia, Pierre Bourdieu faz várias alusões a Millet e Jean-Claude Chamboredon, co-autor de Le Métier de Sociologue, escreveu um artigo sobre Millet: “Peinture des rapports sociaux et l’invention de l’éternel paysan: les deux manières de Jean-François Millet”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº17-18, 1977, pp. 6-29.