Blake & Blake. A fatalidade do nome


Adotando a linguagem da sociometria de Jacob Levy Moreno, és uma “estrela” ou um “periférico”? Cativas ou repeles? Repara na atenção e no tempo que te dedicam.
Monet e Manet; Perry Blake e James Blake; Claude Monet e Claude Manet. Os primeiros impressionistas, os segundos eletrónicos. A diferença que pode fazer uma simples letra. E um nome. Um nome presta-se a confusão). Baralha, mistifica e desorienta. Nos meus passeios pelo YouTube a partir da entrada Blake, troquei várias vezes o Perry pelo James., surpreendendo-me: “como é estranho, a voz e o estilo do Perry Blake mudaram expressivamente”. Até dar com o engano. A semelhança dos nomes de Monet e Manet provocou um desenlace inesperado, desmedido e trágico, memorável. O excerto “Mulher com vestido verde” do docudrama The Impressionists da BBC revela a série de equívocos desencadeados desde a desilusão de Manet com a receção do quadro Olympia atá ao início da sua amizade com Monet, passando pelo duelo com o crítico de arte Dorante, um dos últimos e mais célebres duelos da história de França (ver vídeo 1. Existe uma versão, com menos resolução, com legendas em português: https://www.youtube.com/watch?v=yeWmTiN4C3o; minutos 23:55 a 35:20). Luta-se e dá-se a vida por um nome. É escudo, estandarte e lança. Identitário e distintivo, o nome interpõe-se como uma marca e um sinal, um projeto, um caldo de expetativas e um mundo de possibilidades.
Blake não é Blake. A nacionalidade, a idade, a carreira, a popularidade e muitos outros traços pessoais separam Perry e James. Contudo, o que escrevi sobre a a música de Perry no artigo Melancolia Aveludada transparece como um letreiro que assenta a ambos: “Uma voz e uma orquestração singulares, suaves, compassadas, melódicas e melancólicas”. Convoco duas canções de James Blake: The Wilhelm Scream e I Never Learnt to Share. Recordam o Antony, dos Antony and the Johnsons.
Alusões
A publicidade tem especial apetência pela intertextualidade. Espera beneficiar da aura alheia.
O anúncio Who says we can’t, da Mitsubishi, convoca as bailarinas de Edgar Degas (1834-1917) e o anúncio Odyssey (2002) da Levi’s (ver http://tendimag.com/2011/09/16/libertacao/). Estas fontes de influência podem funcionar de vários modos. O destinatário pode ignorá-las por completo. Citações sem referência, nem, por isso, perdem o efeito próprio. Trata-se, apesar de tudo, de uma cena à Degas ou de uma libertação à Odyssey.
O destinatário pode não identificar a citação, mas esta pode não lhe ser estranha. Cruzou-se algures com ela, por exemplo, estampada numa caixa de chocolates. Neste caso, ao efeito de uma citação sem referência, acrescenta-se o efeito de familiaridade.
Muitos espectadores conhecem, mesmo assim, o anúncio Odyssey e a pintura de Degas. Agora, o confronto intertextual presta-se à especificação e à contextualização, dando azo a uma pluralidade de leituras dialógicas. Na citação com referência, a aura assemelha-se a um chapéu mexicano: tem outro alcance e ajusta-se aos objectivos. Principalmente, quando o anúncio se apresenta particularmente bem conseguido.
Marca: Mitsubishi. Título: Who says we can´t. Agência: MK Norway, Bergen, Norway. Direcção: Jacob Strom. Noruega, Março 2014.
- 01. Edgar Degas. Dancing examination. 1874.
- 02. Edgar Degas. Ballet Rehearsal on Stage. 1874
- 03. Edgar Degas. A aula de dança, Museu d’Orsay. 1875.
- 04, Edgar Degas. Dancers Practicing at the Bar. 1876-77
- 05. Edgar Degas. Two Dancers Entering the Stage. c.1877.
- 06. Edgar Degas. Balançant danseurs. 1877-79
- 07. Edgar Degas. Prima Ballerina, cerca de 1878, Museu de Orsay.
- 08. Edgar Degas. Dancers Climbing a Stair. c.1886-1890
- 09. Edgar Degas. Ensaio de Ballet, 1879. Mussée d’Orsay
- 10. Edgar Degas. ballet class the dance. Hall. 1880
- 11. Edgar Degas. L’Atteinte. 1882.
- 12. Edgar Degas. The pink dancers before the ballet. 1884
- 13. Edgar Degas. Dancer Adjusting Her Shoe . 1885.
- 14. Edgar Degas. Blue dancers. 1898-99.
- 15. Edgar Degas. Dançarinas atando as sapatilhas, cerca de 1893-1898, Museu de Arte de Clevland, Ohio.
Pintar o campesinato: Jean-François Millet.
Na disciplina de Sociologia da Arte, estamos a dar os impressionistas, com recurso a um docudrama da BBC (The Impressionists, 2006). Conjugar o passado no “futuro anterior” é uma tentação. Apostar no que interessa é outra. Ambas constituem uma forma de cegueira. A abertura e a dispersão são mais do que uma distracção. A focagem apaga mais do que ilumina. E, no entanto, cada momento histórico encerra uma riqueza inesgotável.
Para Ernst Bloch, a investigação não se pode cingir ao que existiu, importa convocar também o que poderia ter acontecido, embora não se tivesse concretizado. Se a história está repleta de impossíveis realizados, ainda mais apinhada está de possíveis por realizar. A floresta não tem só caminhos e clareiras. Mas a bússola tende a reter do passado apenas aquilo que desagua no presente, resumindo-o, de preferência, em poucas palavras. E, no entanto, para aprender a humanidade toda a humanidade é pouca. Pelos vistos, acabaram as grandes narrativas… Sobram as grandes palavras: pós-modernidade; hiper modernidade, pós-humanidade, hiper realidade, hiper pós… Uma procissão que teima em não se aventurar por entre as árvores da floresta. Esta pedagogia do caminho batido e do olhar filtrado conforta a ilusão de que o presente é uma espécie de bacia da história da humanidade.
Em França, na segunda metade do século XIX, para além dos academistas e dos impressionistas, houve outros artistas envolvidos na disputa em torno do que devia ser a arte. Dentro e fora da Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Fora, abriram caminho, entre outros, o realismo (e.g. Jean-François Millet e Gustave Courbet) e o simbolismo (e.g. Gustave Moreau e Odilon Redon).
Jean-François Millet (1814-1875), francês, filho de camponeses, precursor e referência do realismo, fundador da Escola de Barbizon, frequenta vários cursos de pintura graças a uma sucessão de bolsas. Ao dedicar-se, com estilo próprio, à pintura de camponeses humildes, afasta-se claramente do estilo académico: “Le style académique ne pousse pas tant les artistes à trouver leur propre style qu’à se rapprocher d’un idéal qui repose sur quelques principes; simplicité, grandeur, harmonie et pureté” (http://www.mutinerie.org/les-lieux-de-travail-qui-ont-change-lhistoire-3-les-ateliers-dartistes/#.Uwfb4fl_tih). No quadro As Espigadoras, 1857, retrata as camadas mais baixas da sociedade: três mulheres camponesas rebuscam grãos de trigo após a colheita.
Millet teve influência nos pintores impressionistas, nomeadamente Van Gogh, que retoma algumas cenas. Por outro lado, Salvador Dali não só retoma O Angelus (1857–59), como lhe dedica um livro: Le Mythe Tragique de l’Angélus de Millet, 1ª ed. 1938, Paris, Allia Editions, 2011.
Na sociologia, Pierre Bourdieu faz várias alusões a Millet e Jean-Claude Chamboredon, co-autor de Le Métier de Sociologue, escreveu um artigo sobre Millet: “Peinture des rapports sociaux et l’invention de l’éternel paysan: les deux manières de Jean-François Millet”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº17-18, 1977, pp. 6-29.
- Jean-Françlois Millet. L’église de Gréville (Manche). 1871-74
- Jean-François Millet. A Fiandeira. 1868-69.
- Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.
- Jean-François Millet. Buckwheat Harvest Summer. 1868-74.
- Jean-François Millet. Ceifeiros Descansando. 1853
- Jean-Francois Millet. Dandelions. 1867-68.
- ean-François Millet. Descanço ao meio dia. 1866.
- Van Gogh. A Sesta. 1890
- Jean-François Millet. Duas banhistas. 1848.
- Jean-François Millet. Fisherman. 1869-1870.
- Jean-François Millet. Haystacks-Autumn. 1874.
- Jean-François Millet. Hunting Birds at Night. 1874.
- Jean-Francois Millet. La Mort et le bûcheron. 1859
- Jean-François Millet. Man with a hoe. 1860-62
- Jean-François Millet. Prieuré de Vauville, Normandie. 1873
- Jean-François Millet. Reclining Female Nude. 1844-45
- Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73
- Jean-François Millet. The Temptation of St Anthony. 1846
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.
- Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.
- Salvador Dali.The Angelus. 1935.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850. Pormenor
- O Semeador. Millet. Van Gogh
- Millet. Two Men Turning Over the Soil 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.