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Blake & Blake. A fatalidade do nome

Melancolia agastada. Próximo do termo da atividade como professor universitário.
Melancolia esperançada. Há quarenta anos, no início da atividade como professor universitário. Fotógrafo: Álvaro Domingues.

Adotando a linguagem da sociometria de Jacob Levy Moreno, és uma “estrela” ou um “periférico”? Cativas ou repeles? Repara na atenção e no tempo que te dedicam.

Monet e Manet; Perry Blake e James Blake; Claude Monet e Claude Manet. Os primeiros impressionistas, os segundos eletrónicos.  A diferença que pode fazer uma simples letra. E um nome. Um nome presta-se a confusão). Baralha, mistifica e desorienta. Nos meus passeios pelo YouTube a partir da entrada Blake, troquei várias vezes o Perry pelo James., surpreendendo-me: “como é estranho, a voz e o estilo do Perry Blake mudaram expressivamente”. Até dar com o engano. A semelhança dos nomes de Monet e Manet provocou um desenlace inesperado, desmedido e trágico, memorável. O excerto “Mulher com vestido verde” do docudrama The Impressionists da BBC revela a série de equívocos desencadeados desde a  desilusão de Manet com a receção do quadro Olympia atá ao início da sua amizade com Monet, passando pelo duelo com o crítico de arte Dorante, um dos últimos e mais célebres duelos da história de França (ver vídeo 1. Existe uma versão, com menos resolução, com legendas em português: https://www.youtube.com/watch?v=yeWmTiN4C3o; minutos 23:55 a 35:20). Luta-se e dá-se a vida por um nome. É escudo, estandarte e lança. Identitário e distintivo, o nome interpõe-se como uma marca e um sinal, um projeto, um caldo de expetativas e um mundo de possibilidades.

1. A mulher num vestido verde. Excerto do docudrama The Impressionists. BBC. 2006.

Blake não é Blake. A nacionalidade, a idade, a carreira, a popularidade e muitos outros traços pessoais separam Perry e James. Contudo, o que escrevi sobre a a música de Perry no artigo Melancolia Aveludada transparece como um letreiro que assenta a ambos: “Uma voz e uma orquestração singulares, suaves, compassadas, melódicas e melancólicas”. Convoco duas canções de James Blake: The Wilhelm Scream e I Never Learnt to Share. Recordam o Antony, dos Antony and the Johnsons.

2. James Blake. The Wilhelm Scream. James Blake. 2011.
3. James Blake. I Never Learnt To Share. James Blake. 2011. Ao vivo em Heaven, Londres.

Alusões

09. Edgar Degas. Ensaio de Ballet, 1879. Mussée d'Orsay

Edgar Degas. Ensaio de Ballet, 1879. Musée d’Orsay

A publicidade tem especial apetência pela intertextualidade. Espera beneficiar da aura alheia.

O anúncio Who says we can’t, da Mitsubishi, convoca as bailarinas de Edgar Degas (1834-1917) e o anúncio Odyssey (2002) da Levi’s (ver http://tendimag.com/2011/09/16/libertacao/). Estas fontes de influência podem funcionar de vários modos. O destinatário pode ignorá-las por completo. Citações sem referência, nem, por isso, perdem o efeito próprio. Trata-se, apesar de tudo, de uma cena à Degas ou de uma libertação à Odyssey.

O destinatário pode não identificar a citação, mas esta pode não lhe ser estranha. Cruzou-se algures com ela, por exemplo, estampada numa caixa de chocolates. Neste caso, ao efeito de uma citação sem referência, acrescenta-se o efeito de familiaridade.

Muitos espectadores conhecem, mesmo assim, o anúncio Odyssey e a pintura de Degas. Agora, o confronto intertextual presta-se à especificação e à contextualização, dando azo a uma pluralidade de leituras dialógicas. Na citação com referência, a aura assemelha-se a um chapéu mexicano: tem outro alcance e ajusta-se aos objectivos. Principalmente, quando o anúncio se apresenta particularmente bem conseguido.

Marca: Mitsubishi. Título: Who says we can´t. Agência: MK Norway, Bergen, Norway. Direcção: Jacob Strom. Noruega, Março 2014.

Pintar o campesinato: Jean-François Millet.

Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.

Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.

Na disciplina de Sociologia da Arte, estamos a dar os impressionistas, com recurso a um docudrama da BBC (The Impressionists, 2006). Conjugar o passado no “futuro anterior” é uma tentação. Apostar no que interessa é outra. Ambas constituem uma forma de cegueira. A abertura e a dispersão são mais do que uma distracção. A focagem apaga mais do que ilumina. E, no entanto, cada momento histórico encerra uma riqueza inesgotável.

Jean-François Millet. Hunting Birds at Night.  1874.

Jean-François Millet. Hunting Birds at Night. 1874.

Para Ernst Bloch, a investigação não se pode cingir ao que existiu, importa convocar também o que poderia ter acontecido, embora não se tivesse concretizado. Se a história está repleta de impossíveis realizados, ainda mais apinhada está de possíveis por realizar. A floresta não tem só caminhos e clareiras. Mas a bússola tende a reter do passado apenas aquilo que desagua no presente, resumindo-o, de preferência, em poucas palavras. E, no entanto, para aprender a humanidade toda a humanidade é pouca. Pelos vistos, acabaram as grandes narrativas… Sobram as grandes palavras: pós-modernidade; hiper modernidade, pós-humanidade, hiper realidade, hiper pós… Uma procissão que teima em não se aventurar por entre as árvores da floresta. Esta pedagogia do caminho batido e do olhar filtrado conforta a ilusão de que o presente é uma espécie de bacia da história da humanidade.

Jean-François Millet. Descanso ao meio dia. 1866.

Jean-François Millet. Descanso ao meio dia. 1866.

Van Gogh. A Sesta.  1890

Van Gogh. A Sesta. 1890

Em França, na segunda metade do século XIX, para além dos academistas e dos impressionistas, houve outros artistas envolvidos na disputa em torno do que devia ser a arte. Dentro e fora da Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Fora, abriram caminho, entre outros, o realismo (e.g. Jean-François Millet e Gustave Courbet) e o simbolismo (e.g. Gustave Moreau e Odilon Redon).

Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73

Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73

Jean-François Millet (1814-1875), francês, filho de camponeses, precursor e referência do realismo, fundador da Escola de Barbizon, frequenta vários cursos de pintura graças a uma sucessão de bolsas. Ao dedicar-se, com estilo próprio, à pintura de camponeses humildes, afasta-se claramente do estilo académico: “Le style académique ne pousse pas tant les artistes à trouver leur propre style qu’à se rapprocher d’un idéal qui repose sur quelques principes; simplicité, grandeur, harmonie et pureté” (http://www.mutinerie.org/les-lieux-de-travail-qui-ont-change-lhistoire-3-les-ateliers-dartistes/#.Uwfb4fl_tih). No quadro As Espigadoras, 1857, retrata as camadas mais baixas da sociedade: três mulheres camponesas rebuscam grãos de trigo após a colheita.

Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.

Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.

Salvador Dali.The Angelus. 1935.

Salvador Dali.The Angelus. 1935.

Millet teve influência nos pintores impressionistas, nomeadamente Van Gogh, que retoma algumas cenas. Por outro lado, Salvador Dali não só retoma O Angelus (1857–59), como lhe dedica um livro: Le Mythe Tragique de l’Angélus de Millet, 1ª ed. 1938, Paris, Allia Editions, 2011.

Millet. Two Men Turning Over the Soil. 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.

Millet. Two Men Turning Over the Soil. 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.

Na sociologia, Pierre Bourdieu faz várias alusões a Millet e Jean-Claude Chamboredon, co-autor de Le Métier de Sociologue, escreveu um artigo sobre Millet: “Peinture des rapports sociaux et l’invention de l’éternel paysan: les deux manières de Jean-François Millet”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº17-18, 1977, pp. 6-29.