Remédio santo. Anúncio tailandês incrível

Entrei nos cinquenta e treze preguiçoso. Satisfaço-me com escutar música, ler, ver documentários e, principalmente, conviver, arte que estava em vias de esquecer. Que prazer ter o vício de escrever e não o fazer! Segue o anúncio tailandês The Wisdom of the East que conquistou um Leão de Ouro no festival de publicidade de Cannes. Sem comentários.
Aula imaterial 4. Maneirismo e Surrealismo. Sonhar o pesadelo

Esta aula é polivalente. Destina-se aos alunos de Sociologia e Semiótica da Arte, do mestrado em Comunicação, Arte e Cultura, mas também, como exemplo de uma pesquisa documental extensiva, aos alunos de Práticas de Investigação Social, do mestrado em Sociologia.
A aula é conversada. O que não agrada. As aulas conversadas desconversam muito. Não têm coluna vertebral. Em suma, não têm ponta por onde se lhe pegue. Só dá para tocar, ponto aqui, ponto ali. Ouvi dizer que o próprio mundo não tem nem coluna vertebral, nem ponta por onde se lhe pegue. Esta aula está saturada de informação, designadamente, visual. Gosto destas aulas; os alunos não.
Na aula precedente, visitámos o barroco: nos séculos XVII e XVIII e na atualidade. Resulta legítimo falar em barroco nos nossos dias? Não se confina a um período histórico preciso? Para Eugenio d’Ors, o barroco é um eon (palavra grega), uma forma que percorre a humanidade, atualizando-se em cada contexto particular. “Uma certa constante humana”, com vida ora secreta, ora discreta, ora ostensiva. Reconhece-se o barroco no período helenístico, na Contra-Reforma e no mundo contemporâneo (D’Ors, Eugenio, Du Baroque, Paris, Gallimard, 1935). A sugestão de Eugenio d’Ors estende-se, logicamente, ao grotesco, ao trágico e ao clássico.
Assinalei, na última aula, Michel Maffesoli como especialista da “barroquinização actual do mundo”. Cumpre acrescentar Omar Calabrese: A Idade Neobarroca. Pode descarregar.
Vamos comparar duas correntes de arte separadas por mais de três séculos: o maneirismo (1520-1600) e o surrealismo (desde inícios dos anos 1920).
Sou admirador de François Rabelais. Também de Mikhail Bakhtin, que estudou François Rabelais. Um par admirável. Aproveito para disponibilizar o pdf do livro de Mikhail Bakhtin, Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (1968; redigida em 1940), e o livro de Wolgang Kayser, O grotesco (1957), duas sumidades da teoria do grotesco: o primeiro encara-o como rebaixamento e o segundo, como estranhamento. Ambos os livros são úteis para esta aula.
Antes de prosseguir, importa uma breve introdução ao maneirismo. Recomendo o artigo Maneirismo, da página História das Artes (https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-renascentista/maneirismo/).
Às voltas com François Rabelais, deparei com o livro Les Songes Drolatiques de Pantagruel. Publicado em 1565, contém 120 gravuras, da autoria de François Desprez (1530-1587). Como o título indica, as gravuras inspiram-se nas personagens fantásticas do livro Pantagruel. Convido-vos a descarregar esta relíquia. Merece ser folheada. Descarregar!
São excêntricas as figuras disformes e híbridas concebidas por Desprez. Mas não são completamente originais. Deixando de lado os grotescos (ver Desgravitar- Sem Conta, Peso e Medida: https://tendimag.com/2012/02/12/desgravitar-sem-conta-peso-e-medida/), sessenta anos antes, Hieronymus Bosch pintou os quadros Juízo Final (1482), São João Evangelista na Ilha de Patmos (1485), As Tentações de Santo Antão (cerca de 1500), o Jardim das Delícias (1503-1504) e O Carro de Feno (1500-1516). São pinturas que albergam uma turbulência de monstros e híbridos, ilustrada pela galeria de imagens Pesadelos de Bosch. Por acréscimo, pode ver o documentário Genios de la Pintura Hieronymus Bosch El Bosco (Lara Lowe, 2000).
Os pesadelos de Bosch
Documentário Genios de la Pintura. Hieronymus Bosch El Bosco. 2000.
Sessenta anos, numa escala de longa duração, é pouco tempo. Pode-se recuar mais. Por exemplo, aos séculos XII e seguintes. Nesse tempo, multiplicaram-se os livros de horas e os livros de salmos para apoio à oração. Nas iluminuras das margens das páginas (marginália), exorbitavam os monstros e os híbridos (as droleries). Vamos espreitar dois livros de salmos: o Luttrell (1325-1340) e o Rutland (c. 1260).
A descoberta do livro de salmos de Luttrell aproximou-se de uma epifania. Pesquei as páginas uma a uma. Compilei-as como quem colecciona cromos. Procedi à montagem, respeitando a ordem original. Reconstitui o livro até à página 32. Apresentei o conjunto na seguinte animação em PowerPoint. Pode descarregar e abrir. Não perca. O Luttrell Psalter exigiu mais tempo e perícia do que a escrita de um artigo intergaláctico.
As iluminuras do livro de salmos de Rutland também precedem as gravuras de Desprez.
Imagens do livro de salmos de Rutland
Nada nos impede de recuar mais no tempo. Sem nos atardar com os cachorros românicos (ver O triunfo sobre a morte: San Martin de Artaíz: https://tendimag.com/2017/10/05/o-triunfo-sobre-a-morte-san-martin-de-artaiz/), nem com as gárgulas góticas (ver Gárgulas impúdicas: https://tendimag.com/2014/08/10/gargulas-impudicas/), pode-se retroceder ao início da cristandade, ao século I d. C. Sobreviveram frescos fabulosos na Domus Aurea, palácio construído entre 64 e 68 d. C. pelo imperador Nero, e nas ruínas de Pompeia, cidade soterrada pelo Vesúvio em 79 d. C. Ver o artigo Domus Aurea: o sonho enterrado (https://tendimag.com/2017/11/20/domus-aurea-o-sonho-enterrado-revisto/).
É tempo de regressar a François Desprez e, desta vez, andar para a frente. A comparação das gravuras de Salvador Dali com as gravuras de François é surpreendente. Salvador Dali retoma as gravuras de François Desprez, retocando-as com símbolos sexuais.
Salvador Dali. Les Songes Drolatiques de Pantagruel. 1973.
Uma pergunta: não teria sido suficiente começar o artigo no início e acabá-lo no fim, sem tanto devaneio e interlúdio? Confinar-se, simplesmente, a Desprez e a Dali?
Poder, podia, mas não era a mesma coisa. Convoco quatro argumentos, aparentemente, falaciosos:
- Um bom romance policial brilha pelo enredo. Não começa com o crime e acaba logo com a solução.
- Informar é formar. Não se pode ter o esquema de tudo e a substância de nada.
- O livro L’Amour de l’art, de Pierre Bourdieu e Alain Darbel (1966), convenceu-me que a aprendizagem da arte releva mais da massagem do que da mensagem, para empregar os termos de McLuhan.
- A proliferação das obras gera a vertigem das imagens. Sem a vertigem das imagens, não vingaria o seguinte pensamento diabólico: o homem é infinitamente grande pelas suas obras e infinitamente pequeno nas suas possibilidades.
“Afinal que é o homem dentro da natureza? Nada, em relação ao infinito; tudo, em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve” (Blaise Pascal, Pensamentos, 1670).
Continuamos na próxima aula: Maneirismo e surrealismo: O capricho da imagem.
Dali virtual
O Dali Museum de St. Petersburg, Florida (USA), reúne a maior colecção de obras de Salvador Dali fora da Europa. Para promover a exposição consagrada à relação entre Salvador Dali e Walt Disney, inaugurada em Janeiro de 2016, o museu produziu um vídeo, intitulado Dreams of Dali, dedicado à obra Reminiscência Arqueológica do Angelus de Millet (1935). O resultado é um vídeo de realidade virtual 360º, ao mesmo tempo onírico e imersivo. Desloque o rato do computador para mover o olhar na imagem. Segue o vídeo Dreams of Dali, acompanhado pelo vídeo de apresentação do Dali Museum de St Petersburg.
Carregar nas imagens para aceder aos vídeos.
Dreams of Dali. Dali Museum in St. Petersburg. Agência Goodby Silverstein & Partners (California). USA, Janeiro 2016.
Salvador Dali Museum: an Inside Look at the Art and Architecture of The Dali, por Seamus Payne (Thecoolist.com). USA, Janeiro 2016.
Flor&Cultura
“C’est le temps que tu as perdu pour ta rose qui rend ta rose importante” (Saint-Exupéry. Le Petit Prince.1943).
Com ou sem fumo, há sinais de criatividade no mundo digital. Os videojogos são a meca da originalidade. Há jogos para todos os gostos e para todos os sonhos. Por exemplo, o Flower, desenvolvido, em 2009, pela Thatgamecompany para a Playstation 3.
O Davide elegeu este videojogo para o trabalho da disciplina de Sociologia e Semiótica da Arte, do Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura:
“Para quem está familiarizado com videojogos, mesmo ao nível mais básico, este trailer pode parecer bastante confuso. Se neste momento pedisse a você leitor, para simplesmente pensar em qualquer videojogo, imaginaria você uma temática onde se utiliza o vento para colher pétalas de flores, e revitalizar espaços verdes? Pois essa é a proposta de Flower. Kellee Santiago, a presidente de Thatgamecompany, descreve o jogo como:
“…a videogame version of a poem. I think asks something different of the player.” (Playstation, 2009)” (Davide Gravato, Flower – Uma poesia interactiva: https://comartecultura.wordpress.com/2015/04/23/flower-uma-poesia-interativa/)”.
O videojogo Flower é sweet, com aroma a flower power. A música (Catch the Wind, 1965), também. Nos antípodas do movimento Punk, Donovan é o compositor e cantor apropriado.
Playstation 3. Flower. Trailer. 2009.
Simples, seguro e sentado
O que mais gosto nos fluxos são os refluxos. Enquanto o coro alto entoa o refrão “exercício e dieta”, o coro baixo refastela-se, sedentário, no sofá, ao som de uma música que lembra o Bob Dylan. Os anúncios da América Latina são os mais dados à estética do refluxo.
Nunca registei na Comunidade Europeia tanta proibição como nos últimos anos. Tudo para nosso bem! Fluxo sem refluxo, eis o sonho do tecnocrata. Este Maio está longe, muito longe, do Maio de 1968.
Anunciante: Cámara de Comercio de Santiago. Título: Compra sentado, compra por Internet. Agência: 10:10. Chile, Maio 2015.
A Última Ceia
Vários autores espanhóis retocam A Última Ceia, de Leonardo da Vinci: Luís Buñuel (ver A ceia dos pobres ), Salvador Dali e, agora, Manuel Portillo, director do anúncio Amen, para os óculos Hawkers. A Última Ceia consta entre as obras de arte mais parodiadas de sempre. Rivaliza com A Gioconda e com O Juízo Final, de Michelangelo. A título de divertimento, seleccionei, de entre centenas, algumas versões de A Última Ceia, desde Andy Warhol até ao último restauro devoto artesanal. Um anúncio ousado e irreverente, com ambição estética, a condizer com a imagem da marca.
Marca: Hawkers. Título: Amen. Agência: Ontwice. Direcção: Manuel Portillo. Espanha, Dezembro 2014.
- 01. Andy Warhol. Last Supper.
- 02. Salvador Dali. The sacrament of the last supper. 1955.
- 03. Simpsons. Last Supper.
- 04. Clássicos dos videojogos. Última ceia.
- 05. Doctor House. Last Supper.
- 06. Lost. Last Supper.
- 07. Shrek. Last Supper.
- 08. BattleStar Galactica
- 09. La ultima cena restaurada.
Pintar o campesinato: Jean-François Millet.
Na disciplina de Sociologia da Arte, estamos a dar os impressionistas, com recurso a um docudrama da BBC (The Impressionists, 2006). Conjugar o passado no “futuro anterior” é uma tentação. Apostar no que interessa é outra. Ambas constituem uma forma de cegueira. A abertura e a dispersão são mais do que uma distracção. A focagem apaga mais do que ilumina. E, no entanto, cada momento histórico encerra uma riqueza inesgotável.
Para Ernst Bloch, a investigação não se pode cingir ao que existiu, importa convocar também o que poderia ter acontecido, embora não se tivesse concretizado. Se a história está repleta de impossíveis realizados, ainda mais apinhada está de possíveis por realizar. A floresta não tem só caminhos e clareiras. Mas a bússola tende a reter do passado apenas aquilo que desagua no presente, resumindo-o, de preferência, em poucas palavras. E, no entanto, para aprender a humanidade toda a humanidade é pouca. Pelos vistos, acabaram as grandes narrativas… Sobram as grandes palavras: pós-modernidade; hiper modernidade, pós-humanidade, hiper realidade, hiper pós… Uma procissão que teima em não se aventurar por entre as árvores da floresta. Esta pedagogia do caminho batido e do olhar filtrado conforta a ilusão de que o presente é uma espécie de bacia da história da humanidade.
Em França, na segunda metade do século XIX, para além dos academistas e dos impressionistas, houve outros artistas envolvidos na disputa em torno do que devia ser a arte. Dentro e fora da Académie Royale de Peinture et de Sculpture. Fora, abriram caminho, entre outros, o realismo (e.g. Jean-François Millet e Gustave Courbet) e o simbolismo (e.g. Gustave Moreau e Odilon Redon).
Jean-François Millet (1814-1875), francês, filho de camponeses, precursor e referência do realismo, fundador da Escola de Barbizon, frequenta vários cursos de pintura graças a uma sucessão de bolsas. Ao dedicar-se, com estilo próprio, à pintura de camponeses humildes, afasta-se claramente do estilo académico: “Le style académique ne pousse pas tant les artistes à trouver leur propre style qu’à se rapprocher d’un idéal qui repose sur quelques principes; simplicité, grandeur, harmonie et pureté” (http://www.mutinerie.org/les-lieux-de-travail-qui-ont-change-lhistoire-3-les-ateliers-dartistes/#.Uwfb4fl_tih). No quadro As Espigadoras, 1857, retrata as camadas mais baixas da sociedade: três mulheres camponesas rebuscam grãos de trigo após a colheita.
Millet teve influência nos pintores impressionistas, nomeadamente Van Gogh, que retoma algumas cenas. Por outro lado, Salvador Dali não só retoma O Angelus (1857–59), como lhe dedica um livro: Le Mythe Tragique de l’Angélus de Millet, 1ª ed. 1938, Paris, Allia Editions, 2011.
Na sociologia, Pierre Bourdieu faz várias alusões a Millet e Jean-Claude Chamboredon, co-autor de Le Métier de Sociologue, escreveu um artigo sobre Millet: “Peinture des rapports sociaux et l’invention de l’éternel paysan: les deux manières de Jean-François Millet”, Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº17-18, 1977, pp. 6-29.
- Jean-Françlois Millet. L’église de Gréville (Manche). 1871-74
- Jean-François Millet. A Fiandeira. 1868-69.
- Jean-François Millet. As Respigadoras. 1857.
- Jean-François Millet. Buckwheat Harvest Summer. 1868-74.
- Jean-François Millet. Ceifeiros Descansando. 1853
- Jean-Francois Millet. Dandelions. 1867-68.
- ean-François Millet. Descanço ao meio dia. 1866.
- Van Gogh. A Sesta. 1890
- Jean-François Millet. Duas banhistas. 1848.
- Jean-François Millet. Fisherman. 1869-1870.
- Jean-François Millet. Haystacks-Autumn. 1874.
- Jean-François Millet. Hunting Birds at Night. 1874.
- Jean-Francois Millet. La Mort et le bûcheron. 1859
- Jean-François Millet. Man with a hoe. 1860-62
- Jean-François Millet. Prieuré de Vauville, Normandie. 1873
- Jean-François Millet. Reclining Female Nude. 1844-45
- Jean-François Millet. the gust of wind. 1871-73
- Jean-François Millet. The Temptation of St Anthony. 1846
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.
- Jean-François Millet. The Angelus, 1857-1859.
- Salvador Dali.The Angelus. 1935.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850.
- Jean-François Millet. O Semeador. 1850. Pormenor
- O Semeador. Millet. Van Gogh
- Millet. Two Men Turning Over the Soil 1866. Van Gogh. Two Peasants Digging. 1889.
- Jean-François Millet. The Winnower. 1866-68.
OVMI (Objecto Voador Mal Identificado)
À memória de Raphael Pividal
Por estranho que pareça, na Idade Média a sexualidade era mais liberta, menos inibida e menos censurada do que nos nossos dias.
“Entre a maneira de falar sobre relações sexuais representada por Erasmo e a representada aqui por Von Raumer, é visível uma curva de civilização semelhante à mostrada em mais detalhe na manifestação de outros impulsos. No processo civilizador, a sexualidade, também, é cada vez mais transferida para trás de cena da vida social e isolada em um enclave particular, a família nuclear. De maneira idêntica, as relações entre os sexos são segregadas, colocadas atrás de paredes da consciência. Uma aura de embaraço, a manifestação de um medo sociogenético, cerca essa esfera da vida. Mesmo entre adultos é referida apenas com cautela e circunlóquios” (Norbert Elias, O processo civilizador, vol. I, Rio de Janheiro, Zahard Ed., 1994, p. 180).
Os manuscritos e as imagens medievais evidenciam esta “curva civilizacional” ao nível do controlo e da expressão da sexualidade. As aventuras de Panurgo no Pantagruel, de François Rabelais, fornecem uma amostra. Nas iluminuras, multiplicam-se, explícitas, as cenas de sexualidade, ora realistas, ora caricatas: árvores que dão falos, coitos, exibicionismos, sodomia… Não as mostro porque estamos no século XXI e este blogue é para todas as idades. A maioria pertence a cópias do Romance da Rosa (1230-1280). Subsiste, no entanto, uma imagem que não resisto a partilhar. Considero-a a mais extraordinária. Pintada entre 1340 e 1345, representa um objeto voador mal identificado (OVMI).
Será um peixe voador como aqueles que Hieronymus Bosch pintou 150 anos mais tarde no tríptico de Lisboa (As Tentações de Santo Antão, entre 1495 e 1500)? Ambos transportam pessoas, mas ao OVMI, o que falta em barbatanas sobra em orelhas. Ressalve-se a existência de uma associação simbólica entre o peixe e o OVMI, por exemplo, na mitologia maia (Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain, Dictionnaire des Symboles, Paris, Robert Laffont, 1982).
Será o OVMI uma vassoura montada por uma bruxa? A nudez confere, mas o dispositivo voador pode ter cabo, mas não tem feixe para varrer. Ora, as bruxas eram muito ciosas das suas vassouras… Não varriam e ainda menos voavam em vassouras amputadas.
Será um pão, um cacete, como o “pão catalão” de Salvador Dali (1932)? Um pão voador? Nada de pasmar, há vários registos do fenómeno. Um restaurante em Singapura chama-se The Flying Bread. Tratar-se-ia, neste caso, de um OVMI pasteleiro surrealista.
O peixe, a vassoura e o pão constituem três hipóteses plausíveis. Acrescento uma quarta: o OVMI é o fruto de uma faleira que tem como propriedade levar o homem e a mulher a cavalgar um peixe voador.
Subsistem, contudo, muitas dúvidas e algumas insuficiências metodológicas. Quer-me parecer que tamanho enigma só pode ser resolvido mediante uma investigação sistemática e aprofundada, conduzida por uma equipa interdisciplinar internacional, com acesso a alta tecnologia, apoiada por uma ou várias fundações mecenas, com publicação dos resultados numa revista estrangeira com factor de impacto.
A Ceia dos Pobres (eventualmente chocante)
Os símbolos mais sagrados, como a hóstia, não estão ao abrigo do rebaixamento grotesco. Antes pelo contrário (http://tendimag.com/2013/06/26/sacrilicioso/). Memória puxa memória, e eis que se insinua a paródia da última ceia no filme Viridiana (1961), de Luis Buñuel. Vi Viridiana, filme de culto, palma de ouro em Cannes, há mais de trinta anos. A sequência ainda hoje impressiona.
Na ausência dos patrões, um grupo de pobres apropria-se, por um tempo, da casa senhorial. A visita descamba em orgia coletiva. A transgressão culmina no episódio em que a ceia decalca o quadro de Leonardo da Vinci. Trata-se de um cúmulo do grotesco: o tópico mais elevado da religião cristã, a Eucaristia, é, a pretexto de um simulacro de fotografia, associado ao tópico simbolicamente mais baixo do corpo humano, os órgãos genitais femininos. Este tipo de grotesco, sinistro e dissolvente, lembra a fase negra de Goya e, naturalmente, o filme surrealista Le Chien Andalou (1928), de Luis Buñuel e Salvador Dali.
Junto um excerto do filme Viridiana, suscetível de perturbar os espíritos mais sensíveis e mais devotos. Acrescento o filme Le Chien Andalou, porventura ainda mais desconcertante e mais violento. O filme Viridiana, nome de santa do século XIII, foi censurado pelo papa João XXIII, por blasfémia e indecência, e proibido em Espanha até 1977, dois anos após a morte de Franco.
Luis Buñuel. Viridiana. Episódio da ceia. Espanha, 1961.
Luis Buñuel e Salvador Dali. Le Chien Andalou. França, 1928.