A Menina Bexigosa
São raras as canções que abordam a discriminação estética. A Menina Bexigosa (1973), de Manuel Freire, consta entre as excepções. Nunca, como hoje, a fealdade foi tamanho fardo e a beleza tanto capital. Numa sociedade rendida à aparência, a beleza é a primeira e a mais eloquente carta de recomendação. No Discurso Sobre as Paixões do Amor (1652-1653), Blaise Pascal constata que “há um século para as loiras, outro para as morenas (…) A própria moda e os países regulam aquilo que se chama beleza”. A moda passa, mas permanece. A beleza justifica uma violência simbólica exacerbada. Os ismos e os pós ismos, tão cheios de razão, têm ignorado esta desigualdade. Não há nada a fazer? Talvez ver com outros olhos, o que não se resume aos óculos.
Para aceder ao vídeo, carregar na imagem (Quentin Massys. Matched Lovers, c. 1520-1525).
Manuel Freire. A Menina Bexigosa. 1973.
A Menina Bexigosa
A menina bexigosa viu-se ao espelho
soltou-se do vestido e viu-se nua
está agora vestida de vermelho,
inerte, no passeio da ruaAntes fora alegria e alvoroço
mas num baile ninguém a foi buscar
morreu o sonho no seu corpo moço
passou a noite a chorarTanto chorou que lhe chamaram louca
cada qual lhe levava o seu conselho
mas ninguém ninguém ninguém lhe beijou a boca
e a menina bexigosa viu-se ao espelhoDepois, fecharam a janela
vieram os vizinhos: ´Pobre mãe…´
vieram os amigos: ´Pobre dela…´
era tão boa e simples tão honesta,
… portava-se tão bem´
E dão-lhe beijos na testa
beijos correctos pois ninguém, ninguém
soube em vida matar a sua sede´A menina bexigosa portava-se tão bem´
O espelho continua na parede.Sidónio Muralha
Trackbacks / Pingbacks