O diabo e os homens
O anúncio Le diable pleure, da marca Quick, é absurdo e minimalista: um rosto, mãos e um hamburger. Nem por isso deixa de ter impacto. No anúncio do artigo anterior, o diabo foi enganado (http://tendimag.com/2015/12/26/enganar-o-diabo/). Neste, tentado, o diabo chora. Mostra-se mais humano.
Por que motivo o diabo tende a ser, na publicidade, masculino, aproximando o homem do lado sinistro do mundo? Na verdade, há diabas. Nunca ouvi falar em “demónias” ou em “satanazas”, mas em diabas, sim. Há uma diaba, bem roliça, em Amarante (http://tendimag.com/2014/05/28/cronica-dos-diabos-de-amarante/). Nas pinturas e nas gravuras do inferno também surgem diabas a atormentar os condenados. No famoso Inferno (c. 1510-1520), da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga, distinguem-se duas diabas, ambas com peitos fartos: uma, do lado direito, a importunar uma mulher; a outra, do lado esquerdo, a atestar um homem. Ao endiabrar, de forma tão discriminatória, os homens, a publicidade manifesta-se perversa.
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Na publicidade abunda a figura do homem ao volante de um caixão com rodas. Até parece a maior fonte libidinal masculina. Não sabem encontrar outras formas de prazer? Se fosse Freud, diria que parece uma regressão em massa. BMW, Volkswagen, Honda, Toyota, Ford, Audi, Renault, Volvo, Citroen, Fiat, Seat, todos carregam na mesma tecla: o homem e o seu brinquedo favorito.
O desporto, mormente o futebol, rivaliza com o automóvel. O homem a pontapear o “esférico”. Viril, forte, rápido e ágil. O herói sob o olhar da multidão suspensa. O bambino de oro. Os estádios assumem-se como passerelles agonísticas de machos em adolescência activa. Creio que a maioria dos homens não joga à bola, nem anda atrás dela, nem encara a vida como um desporto. Mas a bola tem algo de demoníaco: peca-se por amor à camisola da bola. De qualquer modo, a associação o homem ao futebol é um entorse na identidade masculina que urge corrigir.
Os homens são uns animais. Sem dúvida! Não seduzem como outrora. Antigamente seduzir uma mulher era uma “conquista” demorada e incerta. Na publicidade, a sedução tornou-se mágica e tonta. Basta pegar numa chávena de café, num chapéu ou num guarda-chuva. E já está! Sedução instantânea. Mas os romeus e as vedetas não são os homens, mas os perfumes e os desodorizantes: Axe, Old Spice, Acqua di Gio… O homem regressou à natureza artificial: seduz pelo cheiro. Um soupçon aromático e ei-las nos braços. Tamanha idiotice degrada a imagem dos homens.
Estas linhas constituem um exercício meramente gratuito, próprio de quem está em férias. Não têm princípio nem fim. Um divertimento. Deu-me para ensaiar como seria glosar sobre a publicidade em sentido inverso ao habitual. Em suma, uma paródia.
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Marca: Quick. Título: Le diable pleure. Agência: Leo Burnett. França, 2008.
O bem e o mal, apresentaram-se “quase” sempre no masculino.