O café, o tabaco e o futebol
No Tendências do Imaginário, é dia de descentramento. Dia de relativizar o nosso sociocentrismo e as nossas evidências. É um desafio lançado, há meio século, por Jean Piaget, um psicólogo recomendável aos sociólogos. A virtude vem de longe: nas Cartas Persas (1721), Montesquieu já enaltece o olhar do estrangeiro.
O anúncio da Gudang Garam é triplamente estranho. A marca pertence à Indonésia, país com o qual encerrámos “um capítulo de conflito”. É, embora discreto, um anúncio a uma marca de tabaco, fenómeno de que estamos, há anos, protegidos graças à febre proibicionista. Nem os cigarros de chocolate escaparam. Neste domínio, só palhinhas e caveiras!
“É proibido o fabrico e a comercialização de jogos, brinquedos, jogos de vídeo, alimentos ou guloseimas com a forma de produtos do tabaco, ou com logótipos de marcas de tabaco” (Lei nº 37/2007, de 14 de Agosto, artigo 17º, ponto 3).
O anúncio Gudang Garam é um hino à pátria! O anúncio dá a impressão de perseguir o efeito desejado: associar a marca à nação. O que lembra alguns casos portugueses: Português Suave, que ainda existe, e Lusos, que se perdeu na voragem do mercado. O anúncio aos cigarros Lusos e ao café Sical num boletim do Totobola traça um triângulo expressivo do estilo de vida dos anos sessenta: café, tabaco e futebol: “Um prazer… Para quem sabe o que quer!” Recordar, ou seja, entregar-se à “regressão histórica” (Max Weber), é uma forma de descentramento. Seria compensador se este bloque lograsse aproximar-se de uma rampa de descentramento.
Marca: Gudang Garam. Título: The First Day Spirit. Agência: Dentsu Strat Jakarta. Direcção: Abimael Ghandi. Indonésia, Agosto 2015.