O parto na Modernidade Avançada

Frida Kahlo. Henry Ford Hospital. 1932.

Frida Kahlo. Henry Ford Hospital. 1932.

A comunicação audiovisual é para a actualidade aquilo que as iluminuras foram para a Idade Média. Umas e outras compõem a nossa paisagem sensorial e simbólica, convocam a vida e constroem a realidade. Comparando as imagens do parto medieval com os vídeos actuais, constata-se uma mudança do olhar. As iluminuras medievais são sérias e realistas, os vídeos são fictícios e cómicos. Na Idade Média, o parto não dava vontade de rir. O parto bem-disposto é apanágio da Modernidade Avançada. Contanto que o homem medieval fosse mestre na arte do riso e do absurdo. Os gracejos (droleries) nas margens dos manuscritos (marginália), bem como as festas tresloucadas, rivalizam com as fábricas de humor dos nossos dias. Na Idade Média, tinha-se medo de não ter filhos e temia-se a morte durante o parto. Na modernidade, tem-se receio de ter filhos e os riscos de mortalidade durante o parto são ínfimos. Uma característica une, no entanto, a Baixa Idade Média e a Modernidade Avançada: constituem dois picos históricos de propagação da imagem.

Marca: Volkswagen. Título: Delivery. Agência: Red Urban. Direcção: Curtis Wehrfritz. Alemanha, 2013.

Concentremo-nos na representação do parto na Modernidade Avançada. Selecionei quatro anúncios, que dizem pouco sobre o parto e muito sobre a nossa bússola semiótica.

Marca: XBOX. Titulo: Champagne. Agência: BBH. Direcção: Daniel Kleinman. UK, 2002.

Autores como Paul Virilio e David Harvey consideram a “velocidade” e a “compressão do espaço e do tempo” expressões-chave do nosso modo de ser e de estar no mundo. No anúncio da Volkswagen, graças ao poder de aceleração do automóvel, o trabalho de parto é quase instantâneo. Dispensa tempo e espaço. No anúncio da Xbox, o bebé passa, em 45 segundos, do ventre da mãe para a sepultura, num processo de envelhecimento vertiginoso. No anúncio da MTS, a criança tem um crescimento físico e intelectual acelerado. No anúncio da B!, da Compal, o pai grávido dá à luz uma filha já adolescente.

Marca: MTS. Título: Internet Baby. Agência: Creativeland Asia. Índia, 2014.

A dependência das máquinas constitui outro traço relevante da Modernidade Avançada. No anúncio da Volkswagen, a parteira é o automóvel. No anúncio da XBOX, a mãe lembra um canhão e o filho, um projétil. No anúncio da MTS, as máquinas digitais recebem um bebé viciado em comunicação e Internet.

A desmaterialização fascina-nos. No anúncio da Volkswagen, o parto resulta virtual. No anúncio da MTS, só falta substituir o cordão umbilical por um dispositivo sem fios.

Marca: B! Abacaxi. Título: É uma menina. Agência: Brandia Central(Lisboa). Portugal, 2007.

Estes anúncios têm um ar barroco a descair para o grotesco. Tudo se oferece estranho e excessivo: o parto assistido pelo automóvel; o disparo do bebé que voa em direcção à morte; o bebé que nasce viciado em Internet. E, por último, o anúncio português, grotesco e barroco até não poder mais. Um anúncio profuso! Tal como a sociedade. E se a sociedade, para além de líquida, hipermoderna, hiper-real, pós-moderna, acelerada e desmaterializada, também se configurasse como uma sociedade da profusão? Profusão de bens, de cenários, de símbolos, de desejos, de identidades, de contradições e de frustrações. Mais que uma sociedade de consumo, do espectáculo ou da abundância, participamos numa sociedade da profusão! Ou talvez não. Ouvi falar de um reino que visa poupar nos partos e no apoio às crianças. Para além da poupança com tantos jovens e adultos que vão criar os filhos além fronteiras.

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