Viver envelhece
O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela (Fernando Pessoa, Bernardo Soares, Livro do Desassossego, São Paulo, Centauro, 2013, p. 178)
Viver envelhece! Cansa! Já desconfiava. A não ser que aconteça um milagre comercializável. Já imaginava.
“Viver sempre também cansa”, escreve José Gomes Ferreira, poeta que brilha na minha noite de todas as luas. Trago na minha pobre memória um dos seus versos: “Os pássaros quando morrem caem no céu” (Poesia I).
A testomania é um conceito criado por Pitirim A. Sorokin, grande sociólogo do séc. XX que, pelos vistos, não cabe na nossa inteligência. Testomania, o apego excessivo aos testes (estatísticos). Pois, a testomania está a passar pela publicidade. Engendram-se testes e mais testes para justificar pela experiência aquilo que a razão não consegue argumentar pela lógica.
Marca: Garnier. Título: Into a woman’s skin. Agência: Publicis Conseil (Paris). França, Março 2015.
Viver Sempre também Cansa
“Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…”José Gomes Ferreira, viver sempre também cansa, 1931.
Não viver é que envelhece!