O espelho ordinário
Há momentos retorcidos. Normalmente, escrevo para ser lido, mas, desta vez, escrevo para ser decifrado.
Existe um tipo de grotesco que remete para a disformidade conforme. Desconcerta, mas acaba por se deitar, atravessada, no leito de Procusto da Razão. Estranha-se, primeiro, e entranha-se, depois. Como diria Goya, o sonho, por monstruoso que seja, faz parte do sono da razão. Atente-se, por exemplo, na obra de Salvador Dali.
Com a devida vénia ao movimento punk, existe uma outra forma de grotesco que releva da conformidade disforme. O que é estranho já não é o sonho mas a realidade. Este grotesco bebe no pântano da vida quotidiana. É a experiência que se torna estranha (Sigmund Freud; Wolfgang Kaiser). Ocorre um estranhamento do familiar, incluindo o íntimo. O grotesco opera menos por criação e mais por deslocamento. Da intimidade para o público. É uma monstração. Este grotesco não sonha, desperta, com os olhos esbugalhados, para a experiência comum. Partilha, obscenamente, o que não é partilhável, mas que todos têm. O delírio do extraordinário é substituído pelo espanto face ao banal, pelo espetáculo insólito e exacerbado do mais que vivido e mais que conhecido.
Este anúncio justifica a seguinte pergunta: como é que a grosseria pode promover a beleza? Enquanto fico a pensar, passo a palavra ao Victor Hugo:
“Somente diremos aqui que, como objectivo junto do sublime, como meio de contraste, o grotesco é, segundo a nossa opinião, a mais rica fonte que a natureza pode abrir à arte (…) O sublime sobre o sublime dificilmente produz um contraste, e tem-se necessidade de descansar de tudo, até do belo. Parece, ao contrário, que o grotesco é um tempo de parada, um termo de comparação, um ponto de partida, de onde nos elevamos para o belo com uma percepção mais fresca e mais excitada” (Hugo, Victor, 1827, Do grotesco e do sublime, Prefácio de Cromwell).
E pronto!
Marca: B Cosmic. Título: Be pretty. Agência: JWT Tunis. Direcção: Fekih Anwar / EZA. Tunísia, Dezembro 2014.
O excesso de grotesco gerou grotesco sobre grotesco.