Imaginação e irreverência
Nas margens dos livros medievais existem imagens de uma criatividade e de um atrevimento extremos. No fólio 18v do manuscrito Voeux du Paon (figuras 1 e 2), concluído cerca de 1350, “na margem esquerda, um animal híbrido, com cabeça humana coroada e corpo de serpente, toca gaita-de-foles com o ânus. Um animal híbrido, com cabeça humana, equilibra uma espada com a face” (Pierpont Morgan Library). O tema da gaita-de-foles é várias vezes retomado ao longo do livro.
Na margem esquerda do fólio 28v, “um homem nu segura a cabeça e a perna amputadas. No fundo da página (bas-de-page), uma serpente engole um homem, do qual se vê apenas a cabeça. Na margem direita, um homem, com o rosto visível, espreita do interior de uma construção, provavelmente uma prisão ou um forno” (Pierpont Morgan Library).
Ambas as páginas nos apresentam híbridos disformes, desmontados e remontados em função da imaginação, mas também do imaginário. Muitas destas imagens eram escrupulosamente codificadas.