Só sobe o que tem peso
Estou convencido que a leveza atrai mais as pessoas do que a liquidez, a velocidade, a imaterialidade ou a fragmentação. Consumimos comidas e bebidas leves. Deslizamos em desportos leves tais como o surf e o asa delta. Os corpos e os gestos querem-se elegantes e graciosos.
A leveza anda associada à liberdade. Os pássaros não voam em gaiolas. Pelo menos à vontade. Devem, vadios, acabado o voo, vir ter connosco, decididos. Tive duas aves assim, soltas. Uma era uma pega que, tendo todo o mundo à disposição, vinha pousar no meu ombro ou na minha mão.
A leveza é uma aspiração, raramente uma realidade. As nossas vidas têm conta, peso e medida. A sociedade emprega-nos e desemprega-nos, mas não nos larga. A leveza pede desgravitação e desprendimento. Normalmente, arrastamo-nos. Arrastamos os passos, arrastamos os dias, arrastamos a alma, arrastamos a vontade. Eis o nosso valor de uso.
Santiago ‘Bou’ Grasso é um realizador argentino admirável. Não falta quem escreva poemas com imagens. Simultaneamente, sóbrios e generosos, são obra rara. A primeira curta-metragem é dedicada à leveza; a segunda, ao peso de chumbo da existência. As nossas vidas em poesia e em prosa.
Santiago ‘Bou’ Grasso. El Pájaro e el Hombre. Argentina, 2005
Santiago Bou Grasso. El Empleo. Argentina, 2011
3 responses to “Só sobe o que tem peso”
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- Maio 2, 2015 -
Mais uma bela reflexão!Como humana, seja eu mantida leve”!A ascensão associada à não liberdade, apavora-me!Ser pesado, implica alimentar-se dos leves!
Bem visto, Beatriz!