Virtualidades do menos bom
E quando o menos bom resulta em mais bom… Eis uma equação que palpita nas cabeças pensantes. Neste sentido, costuma dizer-se que existem males que vêm por bem. Neste anúncio japonês da agência Dentsu, um comportamento brutesco quase universal é responsável por uma quase beleza universal. Mas subsistem exceções decisivas…
Masculinidades. Toxicidades.
O homem oscila entre o mole e o duro, percorrendo toda a escala de Mohs. Depende dos momentos e das perspectivas. Os anúncios We Believe: The Best Men Can Be, da Gillette, e What is a man? A response to Gillette, da Egard Watches, constituem casos ilustrativos. O primeiro compraz-se com o lado negativo do homem, o segundo, com o lado positivo. Que lhes preste! Afigura-se-me que a ambos falta ironia, a faculdade de estar dentro e de estar fora, de falar sabendo que se pode estar calado.
A cópia e o fragmento

“Nós só conhecemos verdadeiramente aquilo que é novo, aquilo que introduz bruscamente na nossa sensibilidade uma mudança de tom que nos choca, aquilo que o hábito ainda não substituiu pelos seus pálidos fac-símiles. Mas foi sobretudo este fraccionamento de Albertina em numerosos fragmentos, em numerosas Albertinas, que era o seu único modo de existência em mim (…) Cada um de nós não é uno, mas contém numerosas pessoas que não possuem todas o mesmo valor moral” (Marcel Proust, À la recherche du temps perdu. Livre 6 : Albertine Disparue, 1927).
Sempre que me deparo com o tema da sensibilidade, acode-me Marcel Proust, “o realista da alma” (Gazette de Lausanne, 15 de Abril de 1914). Leio e releio Proust pelo prazer literário, mas também pela vontade de aprender. Muitos autores, a começar por Pierre Bourdieu, encaram a obra de Marcel Proust como uma inspiração e uma referência da micro-sociologia. Na presente citação, Marcel Proust releva o “fraccionamento de Albertina (…) em numerosas Albertinas”. No que respeita à fragmentação identitária e à polifonia, Marcel Proust sucede a Arthur Rimbaud (“Eu é um outro”; Carta a Paul Demeny, 15 de Maio de 1871), mas precede Mikhail Bakhtin e Erving Goffman. Sem ofensa deontológica, no ofício recorro tanto a Blaise Pascal, Marcel Proust, Thomas Mann e Fernando Pessoa, quanto aos faróis mais sublimes do panteão da sociologia académica. Talvez por influência da sociologia fenomenológica, acredito que o conhecimento do social não começa, nem acaba, com um diploma ou uma certificação.
Men Pioneers, da Nívea (México), é um excelente anúncio. Encerra várias ressonâncias que compete a cada um interpretar. Por exemplo, a contradição entre o gládio e a taça (Gilbert Durand) e, eventualmente, a alusão à homossexualidade. Os episódios são impactantes, uns originais, outros, como diria Proust, fac-símiles: concentrados de sentido e emoção já circulados e testados. Despoletam um efeito garantido. O eco e a redundância podem ser amigos da persuasão.
Cinderelo. Uma inversão dos papéis de género

Quem tem mais poder? O Príncipe ou Cinderela? Quem dispõe do sapato ou quem possui o pé? O anúncio Cinderella, da Levi ’s, opera uma inversão de papéis de género. Uma mulher procura o Cinderelo, não com um sapatinho de cristal, mas com umas calças Levi’s. Do pé passa-se para as pernas. Retomando a pergunta: Onde reside o poder? No Príncipe ou na Cinderela? No homem ou na mulher? Ou na mediação? No sapato e nas calças.
O anúncio Cinderella constrói um mosaico da masculinidade. Alinha vários estereótipos de homens. Inverte-se o foco. O olhar incide, não sobre a ritualização da feminilidade (Erving Goffmann, 1976, Gender Advertisements), mas sobre a ritualização da masculinidade.
Como bónus, a música do anúncio:
HBAG: Homens, banais, avantajados e grotescos

No anúncio Wind/Water/Sun, da Neo-Zelandesa Meridian Energy, aparece, fugaz, um papel a voar numa praia. Lixo. Inclui, também, um cão, lancheiras, linhas de pesca, um carro e um cavalo. Podia prescindir-se do papel! A visualização no ecrã legitima, quando não valoriza, a incivilidade. Custa a aprender a lição da palhinha do Lucky Luke. As imagens querem-se, de preferência, sem vícios! Vê-los, intoxica. Erradicar o papel do anúncio é uma espécie de prevenção ecológica. “Le fournisseur d’énergies 100 % renouvelables Meridian Energy nous rappelle qu’il faut ramasser ses déchets dans un spot qui en jette !” (http://www.culturepub.fr/videos/meridian-energy-wind-water-sun/). Censura? Nem por sombras, apenas olhar lavado. Os críticos perguntam: “por que corre o protagonista?” Atrás da democracia? Se, em vez de um papel, a Meridian Energy tivesse optado por um ananás, imaginar-se-ia que o protagonista está a jogar rugby. Para além da impertinência do papel, o anúncio exibe um HBAG: um homem banal, avantajado e grotesco. Faz parte dos óculos contemporâneos. Lavagem, sim, mas com rugas.
Este anúncio lembra-me o Beach. Whatever’s Confortable, da Southern Comfort. Um pecado diferente, mais lento, mas, na mesma, um HBAG.
Pelo sim, pelo não

Homens objectos dançantes. Coreografados a preceito. Muito se tem escrito sobre a representação da mulher na publicidade. Recordo o livro Gender Advertisements, de Erving Goffman (1976). Pelo sim, pelo não, chegou o momento de estudar a representação do homem na publicidade. Com ou sem humor. Com ou sem pelos.
Cheiro a Primavera

A marca alemã Hornbach habituou-nos a anúncios tão originais quanto delirantes. How Spring Smells não foge à regra. Homens robustos entregam-se a uma jardinagem musculada. As suas roupas transpiradas, embaladas em vácuo, são disponibilizadas em máquinas de distribuição para gáudio dos consumidores estimulados pelo cheiro masculino primaveril. Este anúncio, polissémico, permite, naturalmente, outras leituras.
Masculinidade gulosa
De vez em quando, os Estados-Unidos surpreendem. É esse o segredo: surpreender de vez em quando. Eis um bom anúncio que brinca com a masculinidade, mantendo-se comedido nos efeitos histéricos. Para aceder ao anúncio, carregar na imagem.
Marca: Snickers. Título: Mechanics. Agência: TBWAChiatDay, New York. Direcção: Ulf Johansson. USA, 2007.
Espinafres
A leveza não é o único valor relevante na sociedade contemporânea. A potência, associada eventualmente à energia, à velocidade e ao sexo, também é um valor apreciável. O valor da potência destaca-se na publicidade em segmentos tais como os automóveis, as sapatilhas e as bebidas energéticas. Nos anúncios da NOS e da Burn (censurado), temos duas versões dos efeitos da “poção mágica”.
Marca: NOS. Título: With This NOS I Will. Agência: Mistress UK. Direcção: Ryan Hope. UK, Maio 2015.
Marca: Burn. Título: The morning. Agência: Fullsix. Direcção: Murat Gomullu. Itália, 2007.
Libertação masculina
Multiplicam-se os anúncios que exaltam a masculinidade. Este anúncio da Renault é um exemplo. O homem liberta-se da família, do trabalho e dos compromissos. Com que propósitos? O que é, na óptica da publicidade, um homem livre? O que faz? Evade-se, vai a uma churrascaria, faz desporto, combate, procura a natureza, caça e, sobretudo, conduz um automóvel. Com que símbolos? O cão, o fogo, a espada, o cavalo, a águia e o automóvel.
A agência Publicis explica:
“La mayoría [de los hombres] tiene responsabilidades, su casa está tomada por la familia y el trabajo, todos los días los esperan con nuevos desafíos -por no decir problemas-… En este contexto, el nuevo Renault Fluence es un espacio de libertad para hacer o para ir adonde quieran, comer lo que quieran, jugar a lo que quieran, escuchar la música que quieran, atender o no el teléfono, en resumen el nuevo Renault Fluence es el símbolo de libertad masculina”.
Este anúncio associa, declaradamente, o Renault Fluence ao género masculino. E as mulheres? Não conduzem? Não compram? Espera-se que sejam atraídas pela “masculinidade” do automóvel?
Marca: Renault. Título: Símbolo de libertad Masculina. Agência: Publicis Buenos Aires. Direcção: Nico Perez Veiga. Argentina, Dezembro 2014.