Períodos de insónia

A menstruação revela-se como um dos principais pretextos, materiais e simbólicos, da dominação masculina. A este respeito, falta percorrer um longo e espinhoso caminho, mormente ao nível do imaginário. A Libresse, Bodyform no Reino Unido, tem ousado alguns passos. No anúncio Blood Normal (2017), é a primeira marca a assumir o vermelho do fluxo menstrual, rompendo com a tradição, sublimada, em azul ou verde: “periods are normal. Showing them should be too” (ver Coisa Ruim: https://tendimag.com/2017/10/26/coisa-ruim/). No ano seguinte, 2018, o esplêndido, desinibido e divertido anúncio Viva la Vulva empenha-se na valorização estética da genitália feminina (ver Vulvas e Pirilaus: https://tendimag.com/2018/12/04/vulvas-e-pirilaus/).
O anúncio #Periodsomnia, uma peça de “arte digital” impressionante, prossegue a campanha, “que visa erradicar tabus e vergonha em torno das experiências íntimas das mulheres”, agora com incidência empática nas consequências quotidianas da menstruação, designadamente ao nível da qualidade do sono: “Uma nova pesquisa conduzida pela Libresse revela que, em média, as mulheres perdem 5 meses de sono ao longo da vida devido ao desconforto, à ansiedade e ao medo noturnos durante o período”. Trata-se de mais um caso de uma iniciativa de sensibilização motivada por um interesse próprio bem interpretado. Registe-se, por último, a tendência para o recurso a dados estatísticos para sustentar as mensagens de consciencialização.
São João do Churrasco

A churrasqueira é o equivalente popular da piscina burguesa. Não existe vivenda realmente acabada sem uma churrasqueira. Algumas fazem inveja a toda a gente e, sobretudo, aos vizinhos. A maioria releva do consumo ostentatório. À semelhança das piscinas, são pouco usadas, a não ser nos dias extraordinários e propícios ao ritual. Um ritual sacrificial: primeiro, queima-se o carvão no altar, em seguida, grelha-se o peixe ou a carne, designadamente as costelas e as sardinhas, por último, comunga-se à mesa. Entretanto, perfuma-se o ar. Uma graça atmosférica.
Uma pergunta: por que motivo tende a ser o homem a ocupar-se do churrasco? Será que, como Pierre Bourdieu (Esquisse d’une théorie de la pratique, 1972) afirma a propósito dos cabilas da Argélia, o interior é feminino e o exterior, masculino? Logo, compete à mulher o interior da casa e ao homem, o exterior. Nada que a tradição não sugira: “quem manda na casa é ela…”
Hoje é dia de Don Churrasco, perdão, de São João. Festa de balões, manjericos, alhos, fogueiras, dança, folia e churrasco. Já me cheira a fumo; do vizinho da direita. O vizinho da esquerda atrasou-se, mas também já deita fumo. Quem dera estar em Moledo. No mar não se costuma fazer churrascos!
Para terminar, duas sugestões:
- Talvez fosse musicalmente interessante convencer o Quim Barreiros a dedicar uma canção ao churrasco;
- É de ponderar colocar uma churrasqueira no centro de uma rotunda.
Existem muitos anúncios com o triângulo homem + futebol + churrasco. O Parri in Picture, da Directv, é um bom exemplo.
A epifania do soutien
Vestir pela primeira vez um soutien é uma epifania, a passagem de menina a moça. É este o mote do anúncio “O primeiro Valisère a gente nunca esquece”. O anúncio, antigo, remonta a 1987. A banda sonora revela-se crucial: com o soutien, a música é outra. Uma valsa que a menina, agora moça, dança com o reflexo no espelho! Descobri este anúncio nos trabalhos práticos de Júlia e Vicente, ambos brasileiros, para a disciplina de Sociologia e Semiótica da Arte. O anúncio é uma maravilha! De uma sensibilidade e de uma sensualidade nobres. Obrigado.
Marca: Valisere. Título: O primeiro Valisère a gente nunca esquece. Agência: W/Brasil. Direcção: Washignto Oliveto. Brasil, 1987.
O Desejo e a Norma
Se desejas o que não podes, pode o que desejas. Mas se desejas o que não deves, o caso é mais complicado. Começa por te banhar numa fonte natural próxima. Pode ser férrea, sulfurosa ou calcária. Não interessa. Pousa o coração num ninho de cuco. Lava bem a pele por fora e por dentro. Rememora a tua vida. Desfaz-te de tudo que não seja essencial. Sobrará de ti menos que um esporo de dente-de-leão. Não te esqueças do coração no ninho de cuco. Certifica-te se é capaz de voar. Deita-te numa ponte à espera que o vento te leve onde não deves. Na vida, podes ser mini, mas não sei se tens interesse em ser normal!
“Normal, c’est la norme. Normal, c’est moyen, ordinaire. Habituel. Normal, c’est une valeur sure. C’est familier, confortable et réconfortant. Normal, c’est ce qu’on connait. C’est banal.”
A estatura do género
O corpo humano é o principal banco de símbolos. Como alvo e como fonte. O corpo feminino talvez mais do que o masculino. Neste anúncio angolano, o corpo feminino serve para significar uma cerveja mini. Não podia ser um corpo masculino? Poder, podia, mas desafiava as coordenadas do nosso imaginário, coordenadas que a publicidade, regra geral, respeita. Uma mulher alta a dançar com um homem baixo é uma figura que inverte o nosso mapa mental. Como diriam Claude Lévi-Strauss, Pierre Bourdieu e muitos outros autores, o alto tende a ser associado ao masculino e o baixo ao feminino.
Marca: Cuca. Título: Tarraxinha. Agência: TBWA Luanda. Angola, Maio 2013.
Nus tranquilos
Os corpos nus da pintura renascentista exprimem serenidade. Repousam, ou esperam, tranquilos. É a sensação que predomina nestes trinta e seis nus femininos. Carregar em HD no canto superior do vídeo.