O Muito Povo

“Não são, portanto, os próprios factos que tocam a imaginação popular, mas, antes, a maneira como eles são organizados e apresentados. É necessário que através da sua condensação, se assim me posso exprimir, eles produzam uma imagem atraente que preencha e obceque o espírito. Quem conhece a arte de impressionar a imaginação das multidões conhece também a arte de as governar” (Gustave Le Bon, Psychologie des foules, 1895).
Estou farto de pensar! Incomodo os neurónios para nada. Prefiro a música. Fecunda o cérebro e estremece o corpo. Observaram a multidão do memorável concerto dos R.E.M. (ver vídeo 1)? Um exagero de gente excitada. Massa a vapor. Pronta para o impulso, para a mobilização. Fico sempre dividido quando deparo com uma multidão: maravilha ou monstro, Bela ou Besta, Gandhi ou Lynch? As coreografias e os ecos são recorrentes nos concertos de música rock, mas não só. Fascina-me a sincronização colectiva. Como é possível tanta emoção ordenada, tanta gente a funcionar como uma única pessoa? Uma multidão, ao mesmo tempo alinhada e inflamada, intimida. A engrenagem do “muito povo” não é espontânea, carece aquecimento e orientação. A minha relação com a multidão sofre de um trauma que me tolda a lucidez: a multidão em transe, pela paz ou pela guerra, lembra-me, obtusamente, o filme O Triunfo da Vontade (1935), de Leni Riefenstahl (vídeos 2 e 3). E, no entanto, não há nada mais humano do que a turbulência de um oceano de gente deslumbrada.
Contributo: deixo indic. para um doc interessante que passou aqui na “Arte TV”, com imagens que ilustram bem ( por volta do 51′) esse fascínio inquieto que alevanta “o muito povo”. Atente-se que em geral são “povos” visivelmente muito pouco “united of benetton” colors”. O mesmo sucedendo pelo lado do pvovo da musica Hip-hop, por exemplo, não achas?
https://www.arte.tv/fr/videos/093024-000-A/depeche-mode-spirits-in-the-forest/
Estive a ler o – § 27 do Être et Temps, pp 169-173, na ed francesa, e pareceu-me que há por ali uma ou outra pista a explorar para abordar o “souci” que tu expões e que eu compartilho. Mas vindas de onde vem, do lado daquele mostrengo do “Dasein”. Ou talvez essa leitura não ajude tanto assim…
Boa continuação,
Fernando M.