O Pai Natal. Questões de género

Falta visionar dois dos dezasseis anúncios de Natal seleccionados. Ambos evidenciam a sensibilidade de género. No primeiro, da Macy’s, uma rapariga quer ser pai Natal e, no segundo, da Virgin Media, a protagonista é uma drag queen. Esta sensibilidade representa, porventura, a maior ameaça à figura do Pai Natal. Promove a desconsensualização de uma hegemonia.
Nos anos setenta, Alain Touraine e Pierre Bourdieu, entre outros, vaticinaram um futuro auspicioso aos movimentos feministas, ecologistas e regionalistas, alternativos aos movimentos tradicionais, designadamente de classe. Não se enganaram. Estes “novos” movimentos conquistaram poder e influência. Censuram palavras, gestos e símbolos, entre os quais o Pai Natal. Numa crónica do Expresso, Nelson Marques ilustra claramente aquilo que me transcende. Segue um excerto.
“Querido Pai Natal, / Espero que não te importes que te trate assim. Afinal, para mim continuas a ser o velho barrigudo de barbas bancas que não cabe nas chaminés e que se multiplica pelos centros comerciais de todo o mundo, ouvindo os pedidos das crianças que se sentam no teu colo. Não sei durante quanto mais tempo te poderei tratar assim. Parece que a tua existência é uma coisa muito heteronormativa. O futuro, defendem alguns, pertence à Mãe Natal. Ou, melhor ainda, à Pessoa Natal, porque se queremos ser politicamente corretos o melhor mesmo é que o género seja neutro. / Não é coisa que me apoquente, devo confessar. Por mim, até acabávamos com esta tradição, que enganarmos as crianças desde pequenas não é um grande ensinamento para a vida. E talvez não fosse má ideia acabar também com as religiões, que estão na base de tantos males no mundo. É possível que milhões de pessoas se ofendam com a ideia, mas se não quisermos ser tão radicais podemos ao menos discutir o género do Menino Jesus? Porque é que não pode ser uma menina? Porque é que tem sequer de ter um género? E porque é que Deus há de ser um homem? E o Papa? Não está na altura de ser uma mulher?” (Nelson Marques, #género Está na hora de nos despedirmos do Pai Natal?, Expresso, 16.12.2018, excerto; https://expresso.pt/sociedade/2018-12-16-genero.-Esta-na-hora-de-nos-despedirmos-do-Pai-Natal-).

E o diabo? É verdade que não faltam diabas. Tanto em Amarante (ver Crónica dos Diabos de Amarante; https://tendimag.com/2014/05/28/cronica-dos-diabos-de-amarante/ ), como no inferno (ver imagem do Museu Nacional de Arte Antiga). Em suma, somos pessoas, substantivo feminino neutro.
Isto corrói a imagem de um santo, quanto mais do Pai Natal. A influência da sensibilidade de género na comunicação social, mormente na publicidade, é indubitável. O Pai Natal está em apuros. E não há quem lhe acuda.