Hierarquias na horizontal

Hierarquias na horizontalidade.

Hierarquias na horizontalidade. Montagem de Fernando Gonçalves. Julho 2018.

“Só aqueles que tentam o absurdo conseguem realizar o impossível” (M.C. Escher).

Com o calor, os neurónios entram em efervescência. Algumas bolhas trazem ideias. Hierarquias verticalmente semelhantes podem ter desempenhos distintos consoante a disposição horizontal.

Quando a hierarquia vertical (de cima para baixo) se replica na horizontal (da frente para trás) apenas o chefe acede à visão exterior (por exemplo, a Estátua da Liberdade). Os demais membros imaginam-na através dos olhos do chefe.

Quando a hierarquia horizontal inverte a hierarquia vertical, todos os membros conseguem ver a realidade desejada. Nesta disposição (B), a abertura ao exterior é maior. Todos os membros, do mais alto ao mais baixo, conseguem verificar, por exemplo, se a mão esquerda da Estátua de Liberdade segura a Tabula Ansata ou um tablet, bem como se, na mão direita, a tocha foi substituída pelo passarinho do Twitter.

As organizações tendem a replicar um mesmo princípio, normalmente simples e óbvio, de hierarquização. A mesma ordem preside à elegibilidade, às comissões, aos júris, às avaliações, à carreira, aos lugares, às posições e aos desfiles. Com uma ressalva: o pódio em que o primeiro é o último a subir, sobrepondo-se aos demais. Este tipo de hierarquia lembra um fractal. Possui um ADN, ou um gene, persistente. Seja qual for a circunstância, o código pré-existe. Nem sempre oportuno. Imagine que se pretende constituir uma comissão eleitoral. Nomeados os membros, falta designar o presidente. A escolha do presidente está pré-decidida: é o membro que possui a categoria mais elevada. Pouco importa se é o menos experiente, o menos indicado ou o menos disponível. Nada resiste ao código aristocrático em organizações que se apresentam como democráticas: o escolhido é, irrevogavelmente, o mais “categorizado”. Sempre o mesmo gene, sempre a mesma falácia, já sinalizada por Vilfredo Pareto (Traité de Sociologie Générale, 1917): acreditar que quem é bom numa dimensão é bom em todas as outras. Parafraseando René Descartes, Nada no mundo está mais bem repartido do que a omnisciência: toda a gente está convencida de que a tem de sobra. Mas hierarquias há muitas! Algumas, porventura menos fractais, menos fatais e menos triviais. E, também, menos infalíveis

Quando escrevo um artigo acontece-me sentir bater à porta da minha espelunca mental. Desta vez, é uma canção que quer entrar: Au suivant, de Jacques Brel. Não encontraria outra mais apropriada.

Eu e o meu rapaz mais novo dedicamos este artigo ao meu rapaz mais velho, que está no plat pays de Brel. É um apreciador da teoria dos jogos e dos esquemas de interacção.

Jacques Brel. Au suivant. Olympia, 1964.

Au suivant (Jacques Brel,
Tout nu dans ma serviette qui me servait de pagne
J’avais le rouge au front et le savon à la main
Au suivant, au suivant
J’avais juste vingt ans et nous étions cent vingt
A être le suivant de celui qu’on suivait
Au suivant, au suivant
J’avais juste vingt ans et je me déniaisais
Au bordel ambulant d’une armée en campagne
Au suivant, au suivant
Moi j’aurais bien aimé un peu plus de tendresse
Ou alors un sourire ou bien avoir le temps
Mais au suivant, au suivant
Ce n’fut pas Waterloo mais ce n’fut pas Arcole
Ce fut l’heure où l’on regrette d’avoir manqué l’école
Au suivant, au suivant
Mais je jure que d’entendre cet adjudant d’mes fesses
C’est des coups à vous faire des armées d’impuissants
Au suivant, au suivant
Je jure sur la tête de ma première vérole
Que cette voix depuis je l’entends tout le temps
Au suivant, au suivant
Cette voix qui sentait l’ail et le mauvais alcool
C’est la voix des nations et c’est la voix du sang
Au suivant, au suivant
Et depuis chaque femme à l’heure de succomber
Entre mes bras trop maigres semble me murmurer
“Au suivant, au suivant”
Tous les suivants du monde devraient s’donner la main
Voilà ce que la nuit je crie dans mon délire
Au suivant, au suivant
Et quand je n’délire pas, j’en arrive à me dire
Qu’il est plus humiliant d’être suivi que suivant
Au suivant, au suivant
Un jour je m’ferai cul-de-jatte ou bonne sœur ou pendu
Enfin un d’ces machins où je n’serai jamais plus
Le suivant, le suivant
Compositor: Jacques Brel.

Tags: , , , , , , , ,

Leave a Reply

Discover more from Tendências do imaginário

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading