O self complexo

Allegro. Masquerade. 2017.

Para Charles H. Cooley, a identidade, enquanto looking glass self,  constrói-se a partir das reacções, percebidas ou imaginadas, dos outros. A sociedade funciona como espelho, em que nos revemos e julgamos:

Cooley

Charles H. Cooley.

“Da mesma forma que ao vermos nossa face e roupas no espelho ficamos interessados neles porque são nossos, e satisfeitos ou não com eles se eles respondem ou não ao que nós gostaríamos que eles fossem; na imaginação nós percebemos na mente do outro algum pensamento de nossa aparência, maneiras, objetivos, ações, caráter, amigos e assim por diante, e somos afetados por isso de diversas formas” (Cooley, Charles H., 1902, Human nature and the social order, citado em Souza, Mariane Lima, 2005, Self semiótico e self dialógico: um estudo do processo reflexivo da consciência, Tese de doutoramento em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 23).

Self refletido ou self dialógico? A identidade é construída mediante as reações dos outros ou é co-construída na interacção dialógica com os outros? Mikhail Bakhtin propõe a última perspectiva nos livros Marxismo e Filosofia da Linguagem (de ou com Volochinov, 1929) e Problemas da poética de Dostoiévski (1929).

Bakhtine

Mikhail Bakhtin

“A ideia de self dialógico baseia-se na distinção entre o eu (o que conhece) e o mim (o que é conhecido) de William James, e na novela polifônica de Mikhail Bakhtin. O self não é mais centralizado e unificado, mas descentralizado e múltiplo. A dialogicidade ocorre entre posições do self que podem ser internas (eu enquanto homem, eu enquanto filho, eu enquanto profissional, eu como membro de uma comunidade) e externas (meu pai, meus amigos, meus colegas). As vozes estão em constante conversação, algumas vezes em conflito (Santos, Maickel Andrade dos & Gomes, William Barbosa, Self dialógico: Teoria e pesquisa (http://www.scielo.br/pdf/pe/v15n2/a14v15n2.pdf, acedido 29.06.2017).

Qual é o olhar que mais bem se ajusta ao anúncio polaco Masquerade, da Allegro? O self refletido, de Charles H. Cooley, ou o self polifónico e dialógico de Mikhail Bakhtin? Talvez um outro self das muitas teorias sobre a identidade e a interacção humanas: o “tábua rasa”, o mimético, o actor, o máscara, o agência… Todas estas identidades são ficções colectivas mais ou menos bem fundamentadas. Relevam em boa parte das profecias auto-realizadas apontadas por W. I. Thomas (comThomas, Dorothy Swaine (1928). The child in America. New York: Alfred A. Knopf). Identidade significa, etimologicamente, mesmidade: vem do Latim IDENTITAS, “a mesma coisa”, de IDEM, “o mesmo”, numa alteração da expressão IDEM ET IDEM, um intensificativo para IDEM (http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/identidade/).

Alfred Schütz

Alfred Schütz

Sejamos claros, existe mesmidade e unicidade. Acerca da mesmidade, estamos conversados. Sobre a unicidade, podemos socorrer-nos de Alfred Schütz (1962, Collected Papers I: The Problem of Social Reality, Dordrecht, Martinus Nijhoff Publishers). Ao falar de tipificações, de seres tipificados ou “identificados”, Alfred Schütz contrapõe os seres apostrofados, ou seja, únicos. Se as identidades colectivas podem ser (re)construídas e reduzidas a partir de uma “caixa de ferramentas científicas”, as unicidades, os seres apostrofados, resistem à redução à série e ao mesmo; são labirintos infinitos com um emaranhado interminável de fios de Ariana.

O anúncio Masquerade dá-nos a mão e não a larga. Agarra-nos e toca-nos. Conhece, porventura, as nossas vulnerabilidades.

Marca: Allegro. Título: Masquerade. Agência: Bartek, Warsaw. Direcção: Rodrigo Garcia Saiz. Polónia, Março 2017.

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One response to “O self complexo”

  1. Beatriz Martins says :

    Mas que produto maravilhoso. Pensei-o e repensei-o. Na sensação de que tudo vem de encontro ao que preciso.

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