A cabra danada

Max Ernst. The Beautiful Thing. 1925.

Fig. 1. Max Ernst. The Beautiful Thing. 1925.

Na minha mais terna infância, antes de casar as letras, o meu avô contava-me histórias, intervaladas por poemas. O principal protagonista era a cabra danada. Só o nome! Associa-se a cabra à sexualidade, à luxúria e à propensão para a troca de parceiro, daí, talvez, o termo cabrão (ver Pitt-Rivers, Julian A., 1954, The People of the Sierra, New York, Criterion Books). Por outro lado, a cabra é também associada à bruxaria (ver quadro de Francisco de Goya na figura 5). Por acréscimo, o adjectivo “danada” não deixa margem para dúvidas. Estamos confrontados com uma figura demoníaca.

Marc Chagall. O Sonho. 1927.

Fig. 2. Marc Chagall. O Sonho. 1927.

Marc Chagall. O casal da Torre Eiffel. 1938-1939.

Fig. 3. Marc Chagall. O casal da Torre Eiffel. 1938-1939.

Consoante a inspiração do meu avô, a cabra danada ora era encantadora ora era assustadora. Uma vez deitado, virava-me para a janela, à espera de ver passar a cabra danada. A curiosidade era maior do que o medo.

Andy Warhol Bighorn Ram, from Endangered Species, 1983.

Fig. 4. Andy Warhol Bighorn Ram, from Endangered Species, 1983.

Nunca vi a cabra danada! Pelos vistos, aguardava que eu adormecesse para passar rente à janela. De manhã, ainda se lhe sentia o rasto. Não sei se tinha asas. Creio que não! O meu avô nunca fez menção a asas. As cabras do Marc Chagall, por exemplo,  voam sem asas (Figura 3). Na minha imaginação, a cabra danada era parecida com as cabras de Marc Chagall (Figura 2), de Max Ernst (Figura 1) ou de Andy Warhol (Figura 4). Na minha terna infância, nunca vi uma cabra danada, mas que as há, há! E cabrões, também.

Francisco Goya; Witches' Sabbath, 1798

Fig. 5. Francisco Goya; Witches’ Sabbath, 1798

Tags: , , , , , ,

Leave a Reply

%d bloggers like this: