A morte à flor da pele

01. Nuremberg chronicles - Dance of Death. 1493

01. Nuremberg chronicles – Dance of Death. 1493

“[Os jovens que fazem piercings e tatuagens] procuram “autonomizar-se” do olhar dos pais. Têm o sentimento de não ser eles próprios, mas uma espécie de bem que pertence aos pais. Daqui esta frase repetida inúmeras vezes: “Eu reapropriei-me do meu corpo”, como se o corpo lhes tivesse sido roubado a um ou outro momento. Ao nível simbólico, o facto de fazer uma tatuagem ou um piercing é uma maneira, para o jovem, de assinar o seu corpo, uma maneira de dizer que é só dele” (David Le Breton, “Les jeunes prennent leur autonomie par le piercing”, jornal Le Monde, 25 de Março de 2004).

02. Work in progress. Danse Macabre by Cash at Addicted to Ink in White Plains, NY.

02. Danse Macabre by Cash at Addicted to Ink in White Plains, NY.

Há três fenómenos culturais que vieram ao arrepio das minhas expectativas teóricas. As tatuagens, os piercings e a moda da barba apanharam-me desprevenido. Centram-se no corpo: marcam-no e demarcam-no, mas não para o polir ou isolar. Configuram “sinais de identidade”, introduzindo uma nova modalidade de semiose social.

03. Guy Marchand. Danse Macabre, 1846.

03. Guy Marchand. Danse Macabre, 1486.

Seleccionei cinco tatuagens, góticas, alusivas à morte. As duas primeiras copiam, literalmente, as danças macabras do séc. XV.

04. Dança macabra e memento, mori, por Stigmatattoo.

04. Dança macabra e memento mori, por Stigmatattoo.

A terceira, lembra, no traço, A Noiva-cadáver de Tim Burton e, na postura, o Zé Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro.

05. Tatuagem gótica.

05. Tatuagem gótica.

Na quarta, a caveira aparece tatuada na parte do corpo mais apropriada: a cabeça.

06. Jeremy Woodhouse. Holly Wilmeth

06. Jeremy Woodhouse. Holly Wilmeth

A quinta tatuagem apresenta um espelho da morte, tema recorrente nas imagens medievais e barrocas (Michel Vovelle, “A História dos homens no espelho da morte”, in Herman Braet & Wermer Verbeke (eds), A Morte na Idade Média, S. Paulo, Edusp, 1996, pp. 11-26). O corpo assume-se como suporte do espelho da morte.

07. Book of Hours ('The Hours of Dionara of Urbino'), central Italy (Florence or Mantua), c. 1480.

07. Book of Hours (‘The Hours of Dionara of Urbino’), central Italy (Florence or Mantua), c. 1480.

08. Skull Tattoos by Adem Senturk.

08. Skull Tattoos by Adem Senturk.

Por último, depois do espelho da morte, termino com a vanitas nos lábios de uma tatuagem. Original. Uma versão contemporânea do beijo da morte?

09. Hans Baldung Grien, La Mort et la Femme, 1517.

09. Hans Baldung Grien, La Mort et la Femme, 1517.

10. Gothic Kiss tattoo.

10. Gothic Kiss tattoo.

Um fim-de-semana bem preenchido. Gosto de jogar ténis de mesa com os meus rapazes. São os únicos que me aturam. Gosto, também, de jogar pingue-pongue com a história. Em momentos de lazer, é um prazer visitar a história como quem descasca castanhas. É um desporto que não emagrece. Dá a ver o presente sob outra luz: muita ganga e pouco minério.

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  1. Transi 1: As artes da morte | Tendências do imaginário - Janeiro 10, 2017

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