Nem a ponta de um pêlo

Gillette. 100 years of hair

A partir de autores como Norbert Elias, Georges Vigarello ou Mikhail Bakhtin, costumo dedicar uma aula de Sociologia da Cultura à evolução dos usos do corpo desde a Idade Média. Mais habituados a grandes ideias do que a pequenas realidades, os alunos vão aderindo com alguma renitência. O objectivo é apreender como, séculos a fio, os usos do corpo evoluíram no sentido do auto-controlo, da rectificação, do polimento e do fechamento. Ao nível das posturas, da pele, das rugas, da boca, dos dentes, das secreções, da transpiração, da expectoração … E dos pêlos. A depilação humana foi mais radical do que a desflorestação da Amazónia. Ontem, as pernas e as axilas; hoje, as áreas genitais; amanhã, o cabelo e as sobrancelhas. A Gillette, marca infesta ao pêlo, mostra, no primeiro anúncio, o terreno que os pêlos perderam em apenas um século. Os dois vídeos seguintes apresentam a melhor forma de rapar as áreas genitais. Garante-se que “rapar os pelos torna a pessoa mais limpa”  e que “cortar os arbustos dá mais visibilidade à árvore”. As nossas sociedades, que já não sei como as nomear, são exímias em criar e discriminar pessoas. Agora são os peludos. Trata-se de modalidades de estigma assentes em atributos sui generis que os media tendem a ampliar. Morte ao pêlo! Viva a árvore!

Marca: Gillette. Título: 100 years of hair. Agência: Grey London. Direcção: Oh Yeah Wow. UK, Julho 204.

Gillette. Manscaping. How to shave: Shaving down there.

Gillette. Male Grooming: How to shave your groin.

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One response to “Nem a ponta de um pêlo”

  1. beatrizmartins.artes@gmail.com says :

    Como diz o Professor, evoluções culturais, excesso de higienização, estamos na sua época.

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