Balões reprodutores

O anúncio OOdyssey, da Veet, convida o olhar a acompanhar a odisseia estética de dois balões genitais, sem, ao contrário dos touros de reprodução, patas, nem pelos, nem cornos. Aprazíveis, macios, lentos e deambulantes, como ditam os novos tempos e os novos estilos de vida, promovem uma higiene íntima masculina eficaz e amigável.
” What are those two round shaped objects in the sky? Balloons? Chewing gum bubbles? Soap bubbles? / No. They are flying balls happy to be hair free thanks to Veet Men (…) / Because when men’s private parts are free from body hair, completely smooth, with no unpleasant side effects, they feel things differently, they feel free to explore and enjoy more of life” (https://www.adsoftheworld.com/campaigns/oodyssey).
Pêlos
Intriga-me a relação do ser humano com os pêlos e com os cabelos. Um religioso com cabeça e cara rapadas, e.g. um budista, outro, com barba e cabelo coberto, e.g. um ortodoxo ou um copta, qual segue os desígnios de Deus? E os ídolos da música? Como conciliar o cabelo do Elvis Presley, dos Beatles, dos Led Zeppelin , dos Kraftwerk, do Klaus Nomi, dos Misfits e do Billy Corgan?
O nosso corpo é simbolicamente compartimentado. Tem mais pormenores do que uma pintura do Hieronymus Bosch. Para o comprovar, basta visitar uma capela com ex-votos de cera. Pequenas distâncias fazem grandes diferenças. Há partes que se pode tocar, outras que se pode ver e outras que nem sequer imaginar. Retenhamos apenas quatro partes do corpo humano: o couro cabeludo, a face, o peito e as axilas.
Estávamos resignados com o velório da barba e eis que, como Lázaro, ressuscita. Não me lembro de tanta barba em tanta cara. Mas a postura muda consoante a parte do corpo. Um homem pode cortar a barba, depilar o peito, mas preservar as axilas. É o caso do bailarino rejeitado do anúncio da Narta. Em contrapartida, o rival tem barba, mas depila o peito e as axilas. A mesma pessoa pode adoptar atitudes distintas face aos pêlos em função da parte do corpo envolvida. Aqui amor, ali ódio; aqui apraz, ali desfaz.
Esta questão dos pêlos tem alguma importância? Pelo menos, a importância que as pessoas lhe concedem. Há quem despenda, entre cabeleireiro e depilação, mais de cinco horas por semana. Atendendo ao tempo disponível, cinco horas por semana é muito tempo.
Estes dois anúncios, dedicados aos pêlos, merecem atenção. O primeiro, brasileiro, é fantástico. Uma obra-prima. O segundo coloca o dedo na nossa falha filogenética. Os pêlos provêm da costela de Adão ou do rabo do macaco? Os pelos testemunham a parte do diabo? Nas pinturas da Idade Média, os demónios e, sobretudo, os sátiros são peludos. Ressalve-se, contudo, que os peluches e muitos bonecos da Rua Sésamo são angelicais e peludos…
Marca: Play TV. Título: Beard. Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi. Direcção: Pedro Becker. Brasil, 2008.
Marca: Narta Homme. Título: Peau Parfaite. Agência: Les Gaulois. Direcção: Jonathan Gurvit. França, 2015.
Nem a ponta de um pêlo
A partir de autores como Norbert Elias, Georges Vigarello ou Mikhail Bakhtin, costumo dedicar uma aula de Sociologia da Cultura à evolução dos usos do corpo desde a Idade Média. Mais habituados a grandes ideias do que a pequenas realidades, os alunos vão aderindo com alguma renitência. O objectivo é apreender como, séculos a fio, os usos do corpo evoluíram no sentido do auto-controlo, da rectificação, do polimento e do fechamento. Ao nível das posturas, da pele, das rugas, da boca, dos dentes, das secreções, da transpiração, da expectoração … E dos pêlos. A depilação humana foi mais radical do que a desflorestação da Amazónia. Ontem, as pernas e as axilas; hoje, as áreas genitais; amanhã, o cabelo e as sobrancelhas. A Gillette, marca infesta ao pêlo, mostra, no primeiro anúncio, o terreno que os pêlos perderam em apenas um século. Os dois vídeos seguintes apresentam a melhor forma de rapar as áreas genitais. Garante-se que “rapar os pelos torna a pessoa mais limpa” e que “cortar os arbustos dá mais visibilidade à árvore”. As nossas sociedades, que já não sei como as nomear, são exímias em criar e discriminar pessoas. Agora são os peludos. Trata-se de modalidades de estigma assentes em atributos sui generis que os media tendem a ampliar. Morte ao pêlo! Viva a árvore!
Marca: Gillette. Título: 100 years of hair. Agência: Grey London. Direcção: Oh Yeah Wow. UK, Julho 204.
Gillette. Manscaping. How to shave: Shaving down there.
Gillette. Male Grooming: How to shave your groin.
Depilação
Desde a sociedade de corte, temos vindo a civilizar os nossos costumes (Norbert Elias). Refreamos as pulsões e a violência. Endireitamos os corpos e as vontades. Em suma, autodisciplinamo-nos. Esbatem-se protuberâncias e reentrâncias. Tapam-se os orifícios. Reduz-se tudo quanto é intercâmbio entre o corpo e o mundo: excreção, secreção, ingurgitação, transpiração, respiração… Há actividades fisiológicas que quase desapareceram como a expectoração. Este processo continua nos nossos dias. Continuamos, por exemplo, a polir o corpo: ajustamos os seios e as barrigas, endireitamos os dentes e declaramos guerra aos pêlos, a nossa floresta amazónica. Neste momento, não há pelo que escape! Acabaram-se os santuários do pêlo. Só a barba, pêlo sisífico, teima em renascer todos os dias. Embarcado na tendência, este anúncio da Philips mostra subtilmente como sem pêlos, o encanto é outro.
Marca: Philips. Título: Smooth. Direção: Brendan Beachma. USA, Setembro 2012.
O espelho de Arquimedes em versão pós-moderna
Yoshinari Kamiya, japonês, é um director de publicidade original com queda para anúncios grotescos e surpreendentes. Aos anúncios já publicados (por exemplo, http://tendimag.com/?s=Yoshinari+Kamiya), acrescento mais dois. No primeiro, a pele depilada de uma jovem reflecte melhor a luz do que os espelhos de Arquimedes. Mais fulminante do que um raio laser. No segundo, um arremesso de bowling falha por triz. Melhor, por um pelo!
Marca: Esthe. Título: Beam. Agência: Ogilvy & Mather Japan. Direção: Yoshinari Kamiya. Japão, Novembro 2006.
Marca: Esthe. Título: Beauty Bowling. Agência: Ogilvy & Mather Japan. Direção: Yoshinari Kamiya. Japão, Maio 2009.