Tansomania
Na Idade Média, sobretudo a partir do século XIII, multiplicam-se, nas margens dos manuscritos, ilustrações alusivas a provérbios e anedotas. Lilian M. C. Randall sustenta que a maior parte destas imagens corresponde a exempla, tópicos de apoio à argumentação dos pregadores:
“Preaching in the vernacular, the Franciscans and, to an even greater extent, the Dominicans embellished their sermons with anecdotes, termed exempla. Intended to illustrate the doctrine in terms readily comprehensible to the general public, they were drawn from a host of literary sources as well as from popular tradition and contemporary events” (http://www.tepotech.com/Art_Bulletin/1957392JunRandall.pdf).
Cedendo ao anacronismo, estas iluminuras funcionariam como uma espécie de post-it da retórica e do imaginário medievais. Os livros de horas, os manuscritos de oração mais correntes, pertenciam a famílias. Destinavam-se à oração recatada. As ilustrações, mais do que exemplos, proporcionavam um deleite pessoal, associado ao prazer da imagem.
O Geese Book (Nuremberga, Alemanha, 1503-510) é um livro, em dois volumes, com música litúrgica. Na figura 1, na margem inferior (Volume I – fol. 186r), um coro de gansos, dirigido por um lobo, é cobiçado por uma raposa (ver detalhe na figura 2). Este exemplo manifesta-se intemporal: os tansos, ingénuos, colocam-se entre os dentes do lobo e a boca da raposa, à mercê do poder e da astúcia. A esta propensão, passo a chamar tansomania.
Segue o cântico correspondente ao trecho com a imagem dos gansos (fol 186r):
Mass for ascension. Introitus Viri Galilei. The Geese Book. German Medieval Chant by Laszlo Dobszay, Janka Szendrei; Schola Hungarica. 2005