Era uma vez
O blogue Tendências do Imaginário pode dar a impressão de só atender à despedida dos seres humanos. Mas não, também nascem. E vivem. O filme L’Odyssée de La Vie, de Nils Tavernier, retrata a gestação de um ser humano. As imagens não foram captadas por câmaras, mas construídas, com o contributo da Mac Guff Paris. Segue um excerto do filme.
L’Odyssée de la vie. Realização de Nils Tavernier. Pós-produção: Mac Guff Paris. Transmitido pelo Canal France 2, em Janeiro de 2006. Duração: 1h 23mn. Excerto.
Adónis e o “Pensador de Cernavoda”
Afrodite apaixona-se por Adónis ainda este era criança. Guarda-o num cofre que entrega a Perséfone, que também se apaixona pelo belo Adónis. Ambas as deusas reclamam Adónis. Zeus, chamado a pronunciar-se, é salomónico. Divide o ano em três partes iguais: durante os meses de inverno em que as sementes estão soterradas, Adónis vive no inferno com Perséfone; na primavera, quando as sementes germinam, Adónis vive com Afrodite; Os quatro meses restantes ficam à escolha de Adónis, que opta por Afrodite. Adónis é o deus da morte e da ressurreição, um deus ctónico, associado à vegetação. Durante a sua estadia no inferno, a terra é estéril. A partir da Primavera, a terra torna-se fértil. Há seis mil anos, o “pensador de Cernavoda” já devia reflectir sobre as facetas do tempo cíclico. A vida enterra a vida, a morte dá à luz a vida. Sem tréguas, nem dramas. Uma tragédia.
A técnica e a vida
Há anúncios cujos pormenores são cinzelados ao milímetro e ao segundo. O anúncio Experience Amazing, da Intel, é, de facto, uma experiência assombrosa. Uma cascata de imagens pontuada pela 5ª Sinfonia de Beethoven. Cada fragmento oferece-se como uma janela para um mundo assinado pela Intel: arte, música, dança, desporto, moda, videojogos, máquinas, aeronáutica, corpo, próteses, saúde, natureza, performances, ficção, computadores, multimédia, cinema, animação… A sequência final relativa ao vestido com borboletas é magnífica. Fragmento após fragmento, constrói-se o “impossível”. A utopia do diálogo entre a técnica e a vida. Com a Intel inside.
Marca: Intel. Título: Experience Amazing. Agência: McGarryBowen New York. USA, Janeiro 2016.
Não sejas mosca!
Hoje acordei bem disposto. A vida tem mais vida! Pasmemos com o milagre em câmara lenta e eterno retorno. Hoje a vida tem mais vida, tudo o resto pode esperar. Ouve esta música. Não queres? Faz bem às articulações teóricas, às dores conceptuais, ao reumatismo metodológico e às hérnias de escrita… Tenta! Não sejas mosca! Voa!
Jonas Kvarnström. Fly. Filme Intouchables. 2012.
Maneiras estúpidas de viver
As trombetas soam a culpa e expiação. Revezam-se nos ginetes os sacerdotes. Alastra um puritanismo sem ética. E as elites não param de lavar as mãos. Não há ponto cardeal que escape ao novo ajustamento. Há semanas, falei da morte risonha e da morte com bebé ao colo; estes anúncios mostram mortes parvas. O primeiro, da Metro Trains, consta entre os mais premiados da história da publicidade; o segundo, é uma paródia produzida para a Miami Ad School/ESPM.
Sente-se a falta de um Guerra Junqueiro. Escondíamos em casa uma edição censurada de A Velhice do Padre Eterno. Abundam, sem dúvida, as maneiras estúpidas de morrer, preocupam-me mais as maneiras estúpidas de viver.
Marca: Metro trains. Título: Dumb ways to die. Agência: McCann-Erikson Melbourne. Austrália, 2012.
Marca: Miami Ad School/ESPM. Título: Dumb ways to die. Agência: Y & R Brasil. Brasil, Abril 2014.
Nem a morte nos separa
Neste tempo em que a inteligência anda tão estúpida, urge recuperar a sabedoria. “A gravidade é o escudo dos parvos” (Montesquieu, 11899, Pensées et Fragments Inédits de Montesquieu, Bordeaux, G. Gounouilhou).
Descobertos no norte de Itália, em Mântua, os Amantes de Valdaro são um caso raro de esqueletos adultos abraçados. Se não fosse um anacronismo, diria que exalam um efeito de hiper-realidade. Apresentam-se, assim, despojados de carne, mais reais do que o real. Lembram Pompeia, essa sodoma latina em que não é preciso olhar para trás para se ficar petrificado.
Há imagens de morte que arrepiam os neurónios e avariam a fé. Assinalam como é ténue e absurda a fronteira entre a vida e a morte: um campo de concentração, um acidente rodoviário, um atentado terrorista, uma catástrofe natural… No ano 79, as cinzas do Vesúvio sepultaram Pompeia e Herculano. As vítimas petrificadas parecem não ter completado a passagem. Ainda comunicam. Duas cidades enterradas vivas, cujas ruínas só foram descobertas cerca de 1 600 anos depois. Formas únicas, assombrosas. A tragédia da vida no regaço da morte.
Os Pink Floyd são conhecidos pelas suas extravagâncias. As gravações ao vivo, em 1971, nas ruínas do Anfiteatro de Pompeia não destoam: o filme de um espectáculo sem público num palco improvável. Não obstante, a música dos Pink Floyd ecoa à perfeição nesta galeria de fantasmas sólidos. Durante séculos, os pintores tentaram, em vão, fixar na tela o momento da morte. O Vesúvio conseguiu esculpi-lo, em poucos minutos.
Pink Floyd. Live at Pompeii. Parte I. 1972.
- Herculano
- Pompeia 00
- Pompeia 01
- Pompeia 02
- Pompeia 3
- Pompeia 4
- Pompeia 5
- Pompeia 06
- Pompeia 07
- Pompeia 08
O Desejo e a Norma
Se desejas o que não podes, pode o que desejas. Mas se desejas o que não deves, o caso é mais complicado. Começa por te banhar numa fonte natural próxima. Pode ser férrea, sulfurosa ou calcária. Não interessa. Pousa o coração num ninho de cuco. Lava bem a pele por fora e por dentro. Rememora a tua vida. Desfaz-te de tudo que não seja essencial. Sobrará de ti menos que um esporo de dente-de-leão. Não te esqueças do coração no ninho de cuco. Certifica-te se é capaz de voar. Deita-te numa ponte à espera que o vento te leve onde não deves. Na vida, podes ser mini, mas não sei se tens interesse em ser normal!
“Normal, c’est la norme. Normal, c’est moyen, ordinaire. Habituel. Normal, c’est une valeur sure. C’est familier, confortable et réconfortant. Normal, c’est ce qu’on connait. C’est banal.”
Um par de asas
Uma sugestão sábia: não vencemos a gravidade (the grave) sozinhos, só partilhando as nossas asas. Entre a vida e a morte, a complementaridade faz a diferença. “We are, each of us angels with only one wing; and we can only fly by embracing one another (Luciano de Crescenzo)”. Uma história animada original, criada pelos alunos da classe 2012 da escola dinamarquesa The Animation Workshop.