O robot emocionado

As alegorias são, no reino dos pensamentos, o que as ruínas são no reino das coisas (Walter Benjamin, Origem do Drama Trágico Alemão, 1928)
Perante o anúncio Robot, da Cinemark Hoyts, não hesito em repetir-me: por que motivo no mundo das imagens, sobretudo no que respeita à comunicação emocional, se observa uma propensão para o recurso a máquinas, animais, desenhos animados ou bebés? A repetição parece perda de tempo, mas talvez não seja. Repetir não é pensar o mesmo, repetir é voltar a pensar, ou seja, repensar. Na arte, por exemplo, o papel da repetição é desmedido e criativo.
O espectáculo mediático global tem particular apetência por duas formas estilísticas: o fetiche e a alegoria. Por pouco, escrevia “fetichismo alegórico”.
Por que nos acontece adorar mais a fotografia do que o fotografado? A relíquia do que o santo? Ou, recordando, Freud, a lingerie do que a mulher? No domínio dos símbolos, somos perversos. Os caminhos que nos comovem são desvios obscuros.
O robot do anúncio tem uma paleta expressiva ínfima. Uma espécie de “expressionismo minimalista” ao jeito dos Emoticons.
A par do fetichismo e da alegoria, a focagem afirma-se como uma forma de abordar a realidade. Por aproximação, como no microscópio; por desbaste marginal, como na floresta amazónica. Elimina-se tudo aquilo que, para além da pauta, faz ruído. O rosto humano irradia, a cada instante, uma infinidade de significações; a cabeça de um robot, muito poucas. Importa, pelos vistos, reduzir, ou especializar, os estímulos e convergir para o alvo.
A focagem da parte, em vez do todo, lembra as ruínas. Um pormenor que enferma, à primeira vista, de uma orfandade de sentido. Falta o resto, quase tudo. Mas, paradoxalmente, enquanto partes à deriva, os pormenores afirmam-se como oásis semióticos, mananciais inesgotáveis de sentido. As ruínas falam, por vezes, mais do que o todo. Sentimo-nos desapossados quando uma ruína é restaurada. Na ruína, cavalgam os nossos fantasmas, na obra redonda, acabada, perfeita, pastam, em visita guiada, os olhos de um boi pasmado.
PS: Não tenho nada contra os robots, tão pouco contra os seus fabricantes e utilizadores. Por sinal, o meu rapaz mais novo está a construir um robot. Dispenso, contudo, que façam de nós robots. Quando termino um texto mais refratário, gosto de o trocar por música. Por exemplo, o Al lis full of love, da Bjork ou o cover, não do The robots, mas do The model (1978), dos Kraftwerk, pelo Balanescu Quartet, ao vivo, em Praga, no ano 2017.
Solidão assistida

Conheço a solidão. É uma amiga nem sempre desejada. Respeito-a! Solitário, dedicava-me à leitura de um livro ou a ver televisão. Nunca dancei com um robot, mas lutei com o travesseiro. Hoje, entrego-me ao computador ou ao telemóvel. Estranha forma de companhia. Por enquanto, não há máquina que substitua o ser humano. A este falta-lhe um botão para ligar e desligar. De qualquer modo, às vezes vale a pena “estar no computador”. O anúncio B.E.N., da Société de Saint Vincent de Paul, é uma obra de arte.
Biomecanóides e robots
O meu rapaz mais novo está, há longos meses, a construir a perna de um robot. Fiquei a conhecer a complexidade dos nossos parceiros de um futuro que começou há décadas. O telemóvel é uma extensão biomecanóide? O anúncio Expedition, da Morotorola Droid, não tem dúvidas. Biomecanóides e robots não são uma ficção, cruzamo-nos com eles todos os dias. Seguem um excelente anúncio de Noam Murro e um clássico dos Kraftwerk.
Marca: Motorola. Título: Expedition. Agência: Mcgarrybowen (New York). Direcção: Noam Murro. Estados Unidos, 2010.
Kraftwerk. The Robots. The Man Machine. 1978.
Robots zombies
O imaginário publicitário, propenso ao encontro dos contrários, não descansa: acaba de engendrar os robots zombies. Ferrugem versus metal, passado versus futuro; ferrugem do passado e metal do futuro. E esta mecânica da lata e da inteligência artificial funciona. Com Total Quartz, o lubrificante certo.
Marca: Total. Título: RobotQuartz. Agência: BETC. Direcção: Thierry Poiraud. França, Fevereiro 2018.
O robot que ri
“A guerra interior da razão contra as paixões fez com que os que quiseram ter a paz se dividissem em duas seitas: uns quiseram renunciar às paixões e tornar-se deuses; outros quiseram renunciar à razão e tornar-se brutos. Mas, não o conseguiram nem uns nem outros; e a razão, ficando sempre, acusa a baixeza e a injustiça das paixões e perturba o repouso dos que a elas se abandonam; e as paixões estão sempre vivas nos que querem renunciar a elas” (Pascal, Blaise, 1670, Pensamentos).
O homem é um ser racional? Talvez menos do que nos aprestamos a acreditar. Os grandes clássicos da sociologia duvidam. Atente-se nas “acções racionais com relação a valores”, nas “acções afectivas” e nas “acções tradicionais”, de Max Weber (1864-1920); ou nas “acções não lógicas”, de Vilfredo Pareto (1848-1923). Acrescente-se que, ao arrepio de G.W.F. Hegel (1770-1831), um fenómeno pode ter sentido sem ser racional.
O anúncio Evelyn, da Sprint, mais do que uma paródia, aproxima-se de um cúmulo da racionalidade. O próprio anúncio é racional, como a maioria dos anúncios. O objetivo é um efeito São Paulo: a conversão dos espectadores da Veryson para a Sprint. O meio é eficaz: uma paródia de uma “escolha racional”, ou seja, da emergência de uma decisão inteligente.
Os robots são os protagonistas do anúncio. Eles e nós, que nos identificamos com o cientista. A exemplo da Evelyn, são capazes de aprender. E de dar instruções. Creio que já existem máquinas capazes de aprender e de instruir. Configuram, de algum modo, um efeito de realidade.
Para além de aprender e instruir, os robots têm sentido de humor. Entramos no cerne do anúncio. Os robots riem! Riem do cientista, com o qual nos identificamos. Riem de nós, os tansos que ainda não mudaram para a Sprint. Embora não pareça, o anúncio apela ao sonho, um sonho embalado pela razão.
A identificação é um processo complexo, nada linear. Podemos identificar-nos com o cientista e, ao mesmo tempo, com os robots. Uma identificação dupla. Somos propensos à identificação com animais, cartoons, bebés e robots. Os robots riem-se de nós; e nós com eles.
Marca: Sprint. Título: Evelyn. Agência: Droga 5. Estados Unidos, Fevereiro 2018.
Distopia
Será este o nosso futuro? Condiz, pelo menos, com a ficção científica. O anúncio Eat the ice cream, da Halo Top, é desagradável, muito desagradável. Não é o primeiro, nem será o último. Há muitos anúncios no mesmo registo. Importa rever o provérbio: afinal, apanham-se moscas com vinagre.
Marca: Halo Top. Título: Eat the ice cream. Agência: Red Tettemer O’Connell + Partners. Direcção: Mike Diva. Estados Unidos, Setembro 2017
A alcoviteira electrónica
A campanha do novo Guerra das Estrelas é notável. A HP, por exemplo, lança produtos e multiplica os anúncios alusivos ao filme. Este Reinvent Romance with R2-D2 é simples, criativo e cirúrgico. O pequeno e dedicado robot, anjo de lata com rodas, assume o papel de alcoviteira. Dele para ela, com resultados desejados. Mais um passo na relação entre homens e máquinas.
Carregar na imagem para aceder ao anúncio.
Marca: HP. Título: DYU / Reinvent Romance with R2-D2. Agência: BBDO New York. Direcção: Tom Tagholm. Estados Unidos, Novembro 2015.
Amor mecânico
Se sente um amor ingénuo, sincero, fiel e ternurento e não o consegue expressar, diga-o com máquinas. Funciona. Un robot y una aspiradora logran estimular más nuestras fibras sensibles do que Romeo y Julieta. Por supuesto. No palco da vida, o amor mecânico está em vias de superar o amor trágico. Em breve, Cyrano de Bergerac vai declarar-se mais ou menos deste jeito: “És uma máquina! Adoro o modo como trabalhas. Os parafusos todos no sítio e um aroma a lubrificante…”
Vêm a propósito muitos vídeos, alguns famosos como o All is full of love, da Bjork. Opto, porém, pelo vídeo Just like, da desconhecida banda Beat Dis.
Marca: Vorwerk Kobold VR200. Título: Love sucks. Agência: Saatchi & Saatchi Dusseldorf. Direção: Jamie Rafn. Alemanha, Setembro 2014.
Beat Dis (2), Just like, Keep Still, Hungria, 2007.
Carro curtido
Carro curtido.
Uma confusão com robots e hamsters que se rendem à dança. E um Kia a marcar o compasso, num ambiente que lembra os videojogos, o cinema e o mundo dos contos.
Anunciante: Kia Soul. Título: Share Some Soul. Agência: David&Goliath, USA. Direcção: Mark Romanek. EUA, Agosto 2011.