Os especialistas do gosto

Quem gosta mais de ti do que tu? Quem gosta mais do que tu gostas? Quem te estuda e prevê? Centros de investigação, empresas de marketing, agências de publicidade, políticos, sociólogos, psicólogos, semiólogos… A missão? Conhecer para seduzir, conhecer para antecipar. Bernard Cathelat e o CCA (institut d’étude des Socio-Styles de Vie)) são um bom exemplo : dedicam-se à cartografia e à infografia dos comportamentos e das tendências sociais. E vendem os resultados (Cathelat, Bernard, Socio-Life Styles Marketing, the new science of identifying, classifying and targeting consumers, Probus Publishing, Chicago, 1994). O livro A Distinção (1979), de Pierre Bourdieu, oferece-se como uma bíblia do estudo dos gostos e dos estilos de vida.
Num catálogo online, os produtos piscam-te o olho, parecem escolhidos a pensar em ti. Numa loja de roupas, há peças que estão à tua espera. Parece bruxedo, uma nova espécie de “feiticismo da mercadoria” (Karl Marx, O Capital, 1867). Jean Baudrillard fala em “estatuto miraculoso do consumo” (A Sociedade de Consumo, 1970). O Youtube sugere alternativas, “expressamente para nós”. Os cookies ajudam. Já dizia a rainha santa Isabel: “são bolachas, Senhor!”. Que conforto haver especialistas capazes de gostar por nós. Nada novo sob o sol da inteligência, trata-se de uma verdade gasta, mais gasta do que as calças de um cowboy. Ferrugem da sociologia litúrgica. Ninguém esconde, ninguém disfarça. O anúncio espanhol ADN, da empresa Adolfo Dominguez, proporciona uma ilustração desinibida. A verdade despida.
“ADN combina dos tipos de inteligencia. Un algoritmo que crea un perfil con tu estilo al completar un test online. Y un equipo de estilistas que saben lo que te queda bien”.
Obrigado mãe por não seres pai

Dividir a humanidade em fatias é um vício divino. Assim se criou o homem e, da sua costela, a mulher. Encarar o diferente como diferente é sensato. Não aceitar a diferença é questionável. Hierarquizar faz parte do jogo político. Na publicidade, tornou-se hábito inferiorizar os homens, mais os seus privilégios, preconceitos e defeitos.
Educar uma criança é uma responsabilidade complexa, por acréscimo imprevisível como o caminho marítimo para a Índia, nos Lusíadas de Camões. É fácil cometer erros.
O anúncio alemão “Danke, dass du nicht Papa bist”, da EDEKA, é, em abstracto, parvo. Não há cúmulos de leviandade e infortúnio. O anúncio é uma procissão de disparates. Convém desvalorizar uns para valorizar outros? Diminuir os pais para festejar as mães? Logicamente, não.
No fim de Maio, volvidas três semanas, a EDEKA publica, agora, para a festa do pai, o anúncio Danke Papa. Não há reparação, mas ironia: Obrigado, Papá, por não seres mãe.
Os anúncios publicitários são produzidos em função dos objectivos por profissionais experientes. Um anúncio polémico, e cómico, pode comportar dividendos de notoriedade à marca. Este não é nem o primeiro nem o último caso.
Supermarket giant Edeka is facing a wave of social media indignation over a Mother’s Day online video clip ridiculing fathers’ parenting skills, with both men and women calling the film “sexist” (…)Since it was posted on YouTube on Sunday, the ad has exceeded a million views, with thumbs-down “dislikes” fastly outnumbering likes (https://www.thelocal.de/20190508/german-supermarket-chain-edeka-slammed-over-sexist-mothers-day-video).
Querer com as velas levar o vento

P. Picasso. Seated Harlequin. 1901.
Longe no tempo, o ancião, longe no espaço, o eremita, ambos vêem de longe o que já viram de perto. “Cansada já a velhice” (Luís de Camões, Os Lusíadas, canto IV, oitava 90), sabem que é insensato “querer com as velas levar o vento” (Luís de Camões, Os Lusíadas, canto IV, oitava 91), bem como é imprudente querer com a técnica levar o mundo. Aos olhos sentados, a técnica corre sempre adiantada em relação a nós, sempre atrasada, em relação a ela própria. O controlo remoto, como no anúncio GPS, recalculando, da BC, é a sua metonímia.
Marca: BC. Título: GPS recalculando. Agência: Delcampo Nazca Saatchi & Saatchi. Argentina, 2010.
Humor e ternura
Humor com ternura é uma combinação abençoada.
Raymond Peynet (1908-1999), desenhador humorístico francês, ficou célebre graças às suas séries com pares de namorados (amoureux).
Para acompanhar a galeria de imagens, um pequeno trecho, Mother’s Journey, de Frédéric Chopin.
Frédéric Chopin. Mother’s Journey.
Desenhos de Raymond Peynet
- Raymond Peynet 01
- Raymond Peynet 02
- Raymond Peynet 03
- Raymond Peynet 04
- Raymond Peynet 05
- Raymond Peynet 06
- Raymond Peynet 07
- Raymond Peynet 08
- Raymond Peynet 09. The Lovers Dream
- Raymond Peynet 10
- Raymond Peynet 11
- Raymond Peynet 12
- Raymond Peynet 13
- Raymond Peynet 14. The Lovers Serenade
- Raymond Peynet 15
- Raymond Peynet 16. Please I want to come.
- Raymond Peynet 17
- Raymond Peynet. Façade.
A Criança e a Mãe
O homem é uma criança: um “eterno bambino”, como dizem os italianos. Um Peter Pan. E a mulher, o que é a mulher? Uma “eterna mamma”? Desde a primeira boneca? Com “música no coração”? Ou talvez não… Vem esta provocação a propósito do anúncio Little Boy, da Volkswagen.
Marca: Volkswagen. Título: Little Boy. Agência: DDB & Tribal Amsterdam. Direção: Vincent Lobelle. Holanda, Maio 2014.
As meninas
Deixei para o fim a avaliação dos trabalhos de Sociologia e Semiótica da Arte, do Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura. Avaliar, por vezes, até vale a pena. Sobretudo, quando o mestre se descobre aprendiz. Desafiados a publicar no blogue do curso um artigo dedicado a situações em que uma obra de arte é retomada em diferentes contextos, os alunos corresponderam com trabalhos dignos de partilha. Começo com este artigo sobre As meninas de Velázquez e de Picasso. Para aceder ao artigo, clicar na imagem ou neste endereço: http://comartecultura.wordpress.com/2012/04/26/as-meninas-de-velazquez-e-de-picasso/
O artista vai à publicidade: Pablo Picasso
Picasso também aparece na publicidade. Com a desenvoltura, o génio e a grandeza do costume. O anúncio da Apple quer-me parecer que foi extraído do documentário “Le Mystère Picasso” (1956), de Henri-George Clouzot, classificado como “tesouro nacional” pelo governo francês, em 1984. É-nos dado observar, durante 75 minutos a fio, Picasso a fazer e a desfazer, uma após outra, 20 telas.
Marca: Apple. Título: Picasso. Agência: TBWA\Chiat\Day. Direção: Jennifer Golub. EUA, 1997.