O monstro e a boneca
Por que motivo os humanos recorrem ao não humano para dizer o humano? Esta é uma pergunta repisada. Por quê convocar animais, bonecos, desenhos, marionetas, monstros, ciborgues? Na publicidade, no cinema, nos videojogos, nos vídeos musicais, na arte, na literatura… Será porque dão a ver, como diria o Principezinho, um esboço do essencial? Porque configuram uma alavanca para a imaginação? Estranha forma de olhar, estranha forma de espelho! Perante um monstro ou uma marioneta, somos compelidos, como diria McLuhan, a participar na comunicação. Passará o reconhecimento e a adesão pela ritualização fetichista da diferença? Qual seria o efeito emocional do anúncio da McDonald’s se a boneca fosse substituída por uma mulher? E se, no anúncio da Apple, Frankie fosse substituído por um modelo masculino?
Marca: McDonald’s. Título: Juliette the doll. Agência: Leo Burnett (London). Direcção: Gary Freedman. Reino Unido, Novembro 2016.
Marca: Apple. Título: Frankie’s Holiday. EUA, Novembro 2016.
Maçã de Outono
Não é qualquer marca que se permite um anúncio como este. Minimalista, sem narrativa e não figurativo. Ele é a história, ele é a figura. A lembrar os filmes de James Bond, a música, essa sim, enche qualquer espaço deixado vazio. Há anúncios assim, que se fazem esperar. Saem primeiro no cinema; a demais publicidade pode aguardar. E basta-lhes sugerir levemente, dizer quase nada, para o anúncio ser um sucesso. Por um lado, a Apple conjuga design e performance. Por outro lado, o que importa, o que realmente interessa, o que está em jogo, é uma simples frase: “Mac Pro – Fall 2013”. Este é, de facto, um anúncio: Mac Pro, o futuro do computador, “universo, fogo e visão”, está a chegar. Tanto quanto baste para criar suspense e frisson.
Marca: Apple. Título: Apple Mac Pro. Agência: TBWA. EUA, Agosto 2013.
Palavras do tamanho do mundo
Este anúncio das Nações Unidas centra-se na palavra. É certo que “no mundo há muitas palavras e poucos ecos” (Goethe), e, contrariando Sólon, “a palavra [não] é o espelho da acção”; a palavra pode, inclusivamente, ser o seu disfarce. O anúncio convoca 19 palavras para expressar aquilo que “o mundo mais necessita”. Palavra puxa palavra, e outras ocorrem. Por exemplo, a verdade. Realidade complicada, pela qual muitos seres humanos deram a vida. Uma palavra que caberia em mais três segundos de anúncio. Sem ela, as demais palavras arriscam-se a ser levadas pelo vento. Um vento, porventura, tóxico.
Anunciante: ONU, World Humanitarian Day 2013. Título: The World Needs More. Agência: Leo Burnett, New York. EUA, Agosto 2013.
A Fábrica da Vida
A Nissan Infiniti habituou-nos a anúncios, no mínimo, interessantes (por exemplo, http://tendimag.com/2011/10/12/bailado-do-carro-com-a-agua/). Este segue a tradição. Confronta-nos com um mundo a dois tempos e a dois tons: o disfórico “admirável mundo novo” e a eufórica direcção do novo automóvel. O esquema é recorrente: reduzido a objecto técnico pela técnica, o ser humano emancipa-se como sujeito técnico graças a um objecto técnico. Sujeito ou objecto, o ser humano vive ou sobrevive sob a égide da técnica. É a “fábrica da vida”. Quem não se lembra do anúncio 1984, da Apple (http://www.youtube.com/watch?v=axSnW-ygU5g)?
Marca: Nissan Infiniti. Título: Factory of Life. Agência TBWA. EUA, Agosto 2013.
Dieta Paradisíaca
A expulsão do paraíso é um tema incontornável do nosso imaginário. Com o tempo e as circunstâncias, tem sofrido revisões, cortes e enxertos (ver http://tendimag.com/2012/11/13/vestir-os-nus/). Alguns, espantosos, como o anúncio Adam+Eve, da Doritos. Se Eva tivesse comido a maçã e Adão se tivesse contentado com os Doritos, como ficava o mundo? Um inferno paradisíaco?
Marca: Doritos. Título: Adam+Eve. Director: Stephen Schuster. EUA, 2010.
Fábula das Abelhas
Em 1714, Bernard de Mandeville escreve a Fábula das Abelhas: ou, Vícios Privados, Benefícios Públicos, um texto tão inovador quanto polémico: se cada um se orientar pelos seus próprios interesses, acabará, no conjunto, por concorrer para o bem comum. Trezentos anos depois, a apicultura continua a aguilhoar os nossos espíritos: se cada abelha contribuir com uma pequena excreção de cera, o resultado pode ser uma maravilha tecnológica. Um belo anúncio de animação da Toshiba.
Marca: Toshiba Kira. Título: Bee. Agência: Goodness Mfg. Direção: Jens Gehlhaar. EUA, Julho 2013.
A Estranha Erótica do Álcool
Southern Comfort é um licor secular que, pelos vistos, desencadeia vagas de prazer descontraído. Este anúncio, com música de Lou Johnson (Beat, 1971), mostra como, com boa vontade e algum engenho criativo, tudo merece ser esteticizado (ou, se preferir, erotizado), incluindo uma lavagem pasmada (ou, se preferir, voluptuosa) de cabelo. Sobra, no fim, uma dúvida de somenos importância: Southern Comfort é marca de shampoo ou de licor? Certo é que este esquema de uma estranheza vagarosa foi concebido para toda uma campanha (ver, por exemplo, o anúncio precedente: http://tendimag.com/2012/08/08/grotesco-imparavel/). Provavelmente, outros anúncios deste tipo se seguirão.
Marca: Southern Comfort. Título: Shampoo Whatever’ s Comfortable, Agência: Wieden + Kennedy, New York. Direção: Tim Godsall. EUA, Junho 2013.
Pontos e Pontes
Com poucos pontos, poucas linhas e poucas letras se resume o essencial da condução de um projecto. Há banquetes de palavras que nem um ponto, nem uma linha, nem uma letra conseguem esboçar. Recomendo este vídeo a quem esteja a elaborar um projecto de investigação ou de intervenção. Uma pequena confidência de bastidores: sinto o fantasma de Jacques Prévert a pairar em cada ponto, linha ou letra deste vídeo. Não há como ler o poema “Comment Peindre un Oiseau” e comparar. Deve ser isto o tal benchmarking.
Marca: Apple. Título: Designed by Apple in California. Agência: TBWA/Media Arts Lab. Direção: Buck. EUA, Junho 2013.