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O martelo da revolta

Hornbach

«En otro tiempo, se dejó de ver el sol duran te varios meses; un rey muy poderoso lo había capturado y encarcelado en la fortaleza más inexpugnable. Pero los signos del zodíaco acudieron a socorrer el sol; rompieron la torre con un gran martillo; así liberaron al sol y lo devolvieron a los hombres; este instrumento merece pues la veneración, por el cual la luz se devolvió a los mortales» (culto lituano antigo; Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain, 1986, Diccionario de los symbolos, Barcelona, Ed. Herder, pp. 797-798).

Aprecio os anúncios da empresa alemã Hornbach. Pautam-se pelos princípios da potência e da força de vontade em situações extravagantes. O anúncio Wir haben nie gesagt, dass es einfach ist (nunca dissemos que era fácil) não foge à regra. Apresenta, no entanto, a particularidade de a potência ser feminina. Lembra o anúncio 1984, da Apple: uma mulher atlética, com um martelo, combate a opressão. Lembra, também, os corpos das atletas do filme Olympia (1938) de Leni Riefenstahl: o mesmo lastro mitológico. Um a um, são destruídos, à martelada, os estereótipos da mulher servil e da mulher objecto. Estou, porém, em crer, com a perversidade do costume, que no protagonismo e nos gestos desta luta titânica contra os estereótipos do feminino paira o fantasma de um estereótipo do masculino.

Marca: Hornbach. Título: Wir haben nie gesagt, dass es einfach ist. Agência: Heimat (Berlin). Alemanha, Outubro 2017.

Marca: Apple. Título: 1984. Agência: ChiatDay. Direcção: Ridley Scott. Estados Unidos, 1984.

 

A força das palavras

CCHR

As palavras, mais do que dizer, constroem mundos. As palavras convocam di-visões do mundo (Pierre Bourdieu, Ce que parler veut dire, 1982). Ferdinand de Saussure demonstrou-o (Cours de Linguistique Générale, 1916), bem como, mais tarde, Mikhail Bakhtin (Marxisme et Philosophe du Langage, 1929) e J. L. Austin (How to do things with words, 1962). Este anúncio da CCHR International ilustra o poder, polémico, das palavras em termos de identidade e comportamento. Retirei-o do mural da Esmeralda Cristina, com quem tive o prazer de partilhar uma comunicação sobre os letreiros (banners) na publicidade.

Anunciante: CCRH International. Título: Childhood is Not a Mental Disorder. 2010.

A aparência partilhada

Under Armour. Rule yourself

O anúncio Rule Yourself, da Under Armour, logra um belo efeito. Um número elevado de pessoas desenham padrões e coreografias. Nesta multiplicação humana, a emergência é ínfima. Se o todo é mais do que a soma das partes, neste caso pouco vai além da soma das partes. Em suma, estamos confrontados com massas humanas.

Existia um jogo infantil com rede e pins todos iguais mas de várias cores. O objectivo era construir figuras dispondo os pins coloridos ao longo da rede. Se os “preguinhos” são indispensáveis ao jogo, o artista é a criança. Com as figuras humanas, também existe “um grande arquitecto” que dispõe da(s) massa(s). Acodem-me as paradas da Coreia do Norte, os jogos olímpicos, o futebol, os desfiles militares e determinadas manifestações religiosas. Pela desfocagem, o participante é um quase nada, um ponto numa rede artificial. Promove-se uma replicação com trejeitos totalitários. No caso do anúncio, trata-se da multiplicação virtual do mesmo, uma clonagem, não tanto para a diluição do eu e mais para a sua cintilação, uma aparência partilhada numa ilusão galáctica.

Marca: Under Armour. Título: Rule Yourself. Agência: Droga 5. Direcção: Wally Pfister. USA, Agosto 2015.

O País dos Ratos

MouselandA Germana enviou-me, dos Açores, esta fábula. Gosto de fábulas. Criticam-nos com humor.  E resistem ao poder: não desaparecem por decreto, nem cabem nas prisões.

 

A Paixão das Mulheres

Alto Palermo. Mais lindasÀs mulheres, dava jeito um par de mãos suplementar. Vale-lhes o Alto Palermo, um shopping em Buenos Aires. A maioria dos anúncios argentinos destaca-se pela expressividade. Mesmo quando enveredam pela oralidade, os anúncios tendem a sobrepor a ilustração à forma e à retórica. A chave do anúncio é ciosamente adiada para os últimos segundos. Entramos antes de abrir a porta; só com a porta aberta, sabemos onde entrámos.

Marca: Alto Palermo. Título: HandMa. Agência: Young & Rubicam. Argentina, Dezembro 2013.

Para alívio das mulheres, os homens são descartáveis. Uma libertação! A vocação dos homens consiste em ser ex. Por acréscimo, são fáceis de substituir. Abundam, com garantia de qualidade, em locais como o Alto Palermo, “pasión de mujeres”. Um número crescente de marcas prefigura novos tempos em que os homens se convertem em Adónis a tempo parcial, “galateios” à medida e gigolos baratos.

Marca: Alto Palermo. Título: Ex. Agência: Young & Rubicam. Direção: Brian & Nico. Argentina, Dezembro 2013.

Poder entalado

Entre o maço e a pedra situa-se o cinzel, que, à marretada, retalha a pedra. Há quem esteja assim entre o maço e a massa. Nos anos 1930, os engenheiros franceses queixavam-se, por exemplo, de se sentir entre “a bigorna da plutocracia e o martelo do proletariado” (Luc Boltanski, Les cadres, 1982). Num registo próximo, os peixes da gravura de Bruegel (http://tendimag.com/2012/05/27/a-presenca-de-portugal-num-mapa-do-sec-xvi/) comem-se uns aos outros: os maiores devoram os mais pequenos, como no anúncio da Food Chain Friends. Para os entalados da cadeia ou da escada, comer à frente e ser comido por trás pode ser um modo de vida. Outra solução consiste em ser fraco com os fortes e forte com os fracos, postura que se dá bem com os ares da nossa terra. Tanto ou mais do que a vinha. É escusado bater palmas!

Food Chain Friends. Eating Habits.

Crónica de um País Depenado

Depois de tanto prenúncio e tanto sofisma, Portugal acorda trágico. Não é uma mera reincidência da tragédia do fado ou da tragédia sebastiânica, trata-se de uma tragédia da acção, que nos faz e desfaz todos os dias. Não há, agora, guitarra ou nevoeiro que nos valha. Nem Castela ou Inglaterra que nos indigne. Cumpre-nos escolher sem chaves, apostar convictos numa travessia incerta. Não somos heróis, nem cretinos, transportamos apenas, à imagem do Zé Povinho, um peso que nos verga sem promessa de alívio. Mas, está escrito, a nossa alma não é pequena. Portugal é, sem dúvida, um país depenado, onde em cada esquina encontramos um Pedro Só (ver trailer e canção) dominado por “pequenos deuses caseiros”. Mesmo assim, indo além da “Cantilena” de Francisco Fanhais, conseguiremos cantar sem bico e voar sem asas, porque somos herdeiros da noite!

Trailer do filme “Pedro Só”, de Alfredo Tropa (1972); canção homónima de Manuel Freire.

Francisco Fanhais, Cantilena, 1969.