O Príncipe e a Fábula das Abelhas

“Pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar” (Maquiavel. O Príncipe. 1532. Capítulo XV).

Acordei virado do avesso, os pés no lugar da cabeça, e uma insólita tentação de revisitar O Príncipe (1532), de Nicolau Maquiavel, e A Fábula das Abelhas (1714), de Bernard Mandeville. Atordoa-me um turbilhão de dúvidas e perplexidades.
O maquiavelismo é a forma mais maléfica de equacionar a política? E a missão do político ganha em ser aproximada da santidade?

Assediam-me fantasmas, pouco católicos, que subjugam as más consequências às boas intenções. Por exemplo: a perversidade apologética da honestidade; o cortejo de sentenças espetaculares antecedentes a investigações e julgamentos arrastados; o coro mediático como júri e a massa como patíbulo; os magistérios e os ministérios como mistérios previsíveis; a legislação do nojo político como nojo da legislação política; a realidade refém da aparência, a suspeição erigida em regra e a confiança em exceção; a vigilância das marionetas e a invisibilidade dos cordéis; a desgraça da política e a glória do oportunismo; a desvalorização dos cargos visando a excelência dos ocupantes; a navegação sem norte aspirando abarcar, assim, o mundo; o homem sem qualidades à espera do salvador iluminado; o povo a marinar no lume brando do populismo: e mais uma orgia de aporias e paradoxos gastos e recorrentes. Em suma, um simulacro transgénico que coteja contrários: puritanismo e irresponsabilidade, soberba e miopia, com inestimável incidência no destino da sociedade. Segue o poema A Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville, merecedor de atual e redobrada consideração.