Voulez-vous coucher avec moi ce soir?

Hieronymus Bosch. As Tentações de Santo Antão. Pormenor. 1505-1506. Museu Nacional de Arte Antiga. Lisboa. Esta imagem foi a mais vista na minha página do Facebook em 2014.

« A censura, qualquer que seja, parece-me uma monstruosidade, uma coisa pior que o homicídio. O atentado contra o pensamento é um crime de lesa-alma (Gustave Flaubert, Correspondance, à Louise Colet, 9 décembre 1852).

Inspirado na Lady Marmalade, de Patti LaBelle, quase incorria numa inverdade. Precise-se que a falsidade pode ter tanto efeito quanto a verdade. Acresce que, sempre que o diabo dorme, o efeito de uma coisa má pode ser bom. Muitos recordarão o refrão “voulez-vous coucher avec moi ce soir?” Entrava pelos ouvidos, saía pela boca e circulava nas discotecas. Um gadget de libertação ritual. Não posso, no entanto, sustentar que os anos setenta foram menos propensos à censura do que os nossos dias. Esmiuçando a memória, vi sedes assaltadas e jornais ocupados. Já em Paris, a partir de 1975, andei tão distraído que não dei pela censura.

Quino. Hombres de bolsillo. 1977.

Hoje a censura grassa, sobretudo, no quotidiano. Anda à solta, vadia. É a sua vertente mais nefasta. Sobram motivos e alavancas: o altar, o cetro, o género, o vegetal, a decência, a sensibilidade e o planeta. Censuras ora monstruosas, ora miudinhas, como no caso do tabaco e do telemóvel. “Ambos matam”. O tabaco presta-se a uma infinidade de censuras diárias. Pobre do fumador, não lhe basta ter um desconto no crematório e um aumento nos impostos? Tendemos a ser condescendentes com a censura banal, sobremaneira quando veste boas intenções. A censura é prima da morte. Apaga a diferença e mortifica o outro, a criatividade e a vontade alheias. O censor é um coveiro do espírito. Quanto a mim, I ramble on my own.

Patti LaBelle and Michael McDonalds. On my own. Winner on you. 1986.
Patti LaBelle. Voules Vouz Coucher Avec Moi Ce Soir (Lady Marmalade). 1975.

Tags: , , , ,

Leave a Reply

%d bloggers like this: