Dúvidas íntimas
À primeira vista, o anúncio Gueule de Nain, da Media Markt, parece pós-moderno. À última vista, continua a parecer pós-moderno. Na recente mesa redonda Identidades & Territórios (Universidade do Minho, 06 de Dezembro de 2017), permiti-me uma provocação: duvidar da existência de um período histórico singular apelidado pós-modernidade. Mas como este anúncio é pós-moderno, a pós-modernidade existe.
Anões de jardim adquirem vida na ausência dos donos da casa. O vómito de um gato, cujo nome deve ser Shrek, é o acto inaugural. Segue-se uma festa, com música, bebida, dança, sexo, objectos técnicos, desvarios e excessos. Como é costume, os anões de jardim têm atitudes e comportamentos estranhamente humanos. François Rabelais (1494-1553) poderia subscrever a orgia, E.T.A. Hoffman (1776-1822), a vitalização dos bonecos e Tex Avery (1908-1980), o humor absurdo. Em suma, um anúncio que convoca algumas perplexidades.
Se as pessoas são líquidas, fragmentadas, polifónicas e híbridas, por que é que, passados vinte ou trinta anos, quando encontro alguém ele me parece a mesma pessoa? Será que a sua identidade oscila como um boneco teimoso?
Marca: MediaMarkt. Título: ZIPFELRAUSCH. Alemanha, Novembro 2017.
Continua a nossa sociedade empenhada no futuro, eventualmente com menos projecto e mais balanço? Será a nossa sociedade mais pós ou mais pré? A maior parte das nossas preocupações não deixam de se debater com o futuro.
Por que rara alquimia a sociedade é órfão de narrativas quando às narrativas da modernidade se acrescentam as narrativas da pós-modernidade?
Como é que uma injunção, o carpe diem (Horácio, 65 a.C – 8 a.C.; ver poema) caracteriza uma sociedade quando o atributo é transversal à humanidade. Não há como fazer escala no após I Guerra Mundial.
E, em termos de hibridismo, são os biomecanóides e os pós-humanos assim tão distantes das metamorfoses de Ovídeo e dos sonhos cómicos (songes drolatiques) de François Desprez?
Acabei de ser convidado para participar num programa de televisão. Declinei. Uma pessoa que não sabe o que é não deve expor-se. E eu não sei se sou pré-moderno ou pós-moderno. Moderno consta que ninguém é. Toda esta confusão é muito grave. Entretanto, tive uma epifania. As epifanias servem para saber quem somos e para onde vamos. Que o diga São Paulo! Pois, finalmente, sei quem sou. Sou um pós-moderno à moda antiga, à moda dos maneiristas e dos barrocos. Parafraseando John F. Kennedy, na modernidade, sou pós-moderno!
Não sei que me diga! Ainda estou confuso. Mas, repito, o anúncio da Media Markt é excelente.
Tradução do poema de Horácio
Colha o dia, confia o mínimo no amanhã.
Não perguntes, saber é proibido, o fim que os deuses darão a mim ou a você,
Leuconoe, com os adivinhos da Babilônia não brinque.
É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho.
Se muitos invernos Júpiter te dará ou se este é o último, que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar.
Tirreno: seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo reescale suas esperanças.
Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento está fugindo de nós.
Colha o dia, confia o mínimo no amanhã.
Podemos sempre ser melhores. Basta pensarmos melhor.
(http://claudialins58.blogspot.pt/2009/08/carpe-diem-o-poema-completo-de-horacio.html).
Como me esforcei para estar no debate, mas em vão. Queria tanto ouvir-vos, e com tema promissor. Pois é, a partir de 2014, onde Albertino Gonçalves nos apresentou Bauman, não restem dúvidas, quem será pós moderno, numa modernidade liquida?Parece-me bem Professor, ficar pelo barroco 🙂 , duma riqueza sublime e Arte identificada. Mas aí, não se “decline” aos média, afinal tem identidade. 🙂