O Fado e a Fava

Palavras poucas! Às vezes, apetece-me escrever palavras poucas. Como estas…

Segundo o Índice Vida Melhor, um estudo da OCDE envolvendo 36 países, no que respeita à satisfação com a vida, só os húngaros se sentem pior que nós. É o fado, vaticinarão os analistas da alma lusitana. Esta nossa propensão para o trágico e para o melancólico. O resto é resíduo. E a fava? Nunca em tão pouco tempo calhou tanta fava ao povo português. Convenhamos, desta vez, a insatisfação conjuga o fado e a fava. Perdigão que perdeu a pena, não há fava que lhe não venha! E nós acordamos depenados.

Portugal é um país cheio de relíquias não exportadas. O bolo-rei é uma delas. Quem se lembraria de esconder uma fava empedrada em massa mole? E um brinde igualmente duro e com arestas agressivas? O contemplado com a fava pagava o próximo bolo-rei. Ainda bem que a ASAE aboliu tamanho risco sanitário. Naquele tempo, ou engolíamos a fava ou pagávamos o bolo. Agora, engolimos a fava e pagamos o bolo. Quanto ao brinde, é mais uma fava.

Pois, Portugal, há uns tempos para cá, anda bem favado. Só para exercício de memória: corte até 10% nos vencimentos; corte do subsídio de férias; corte do 13º mês; corte nas deduções e nos benefícios fiscais; criação e aumento de portagens nas autoestradas; aumento do IMI; aumento do IVA; aumento das taxas moderadoras; aumento dos combustíveis… Não esquecendo o desemprego. Tanta fava, pouco arroz e nenhum chouriço!

As favas não tocam a todos. Assim como “alguns animais são mais animais do que outros”, também há portugueses mais favados do que outros. Por exemplo, os cortes dos subsídios salariais são apanágio dos funcionários públicos e dos trabalhadores de empresas públicas. Todos? Todos não, há umas tantas aldeias de irredutíveis que resistem: o Banco de Portugal, pela autonomia, a TAP ou a Caixa Geral de Depósitos, por “adaptação”. Pior que ser favado é ser favado à parte.

O que torna esta chuva de favas mais amarga é ter sido precedida por uma chuva de fadas. Lembro, como se fosse ontem, os novos troços de autoestrada, as eólicas, os submarinos, a duplicação do orçamento da ciência e da investigação, os protocolos com Harvard e Austin, o choque tecnológico, a Parque Escolar, o Magalhães… Recordo uma reunião com a participação de representantes de uma quinzena de países da Comunidade Europeia. A distribuição do Magalhães pelas escolas suscitou boa impressão. Um tanto gelada, no entanto, pelo comentário do representante de um dos países mais ricos da Europa: “Nós também gostaríamos, mas não temos recursos”.

A chuva de fadas era de tal ordem que até parecia que todos participávamos no desenho das despesas. Era uma despesa participativa. Discutia-se durante meses e anos a fio se o futuro aeroporto de Lisboa ia para a margem sul ou para a margem norte do Tejo. Se o TGV devia entrar em Espanha por um, dois ou três sítios.

Os portugueses disputavam os dinheiros do Estado. Pois, em menos tempo do que leva a pronunciar Troika, passou a ser o Estado a disputar o dinheiro dos portugueses. A causa da insatisfação dos portugueses reside no fado? São favas, Senhor, são favas!

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