Do pensador ao perito

Quino
Os peritos penduram-se nos galhos mais altos das sociedades democráticas burocráticas. Lembram nobres de toga em corte de rei pasmado. Até os políticos se dão ares de peritos. Como os gatos, os peritos metem, inimputáveis, o focinho em tudo. O que mais me irrita nos peritos é a sua vontade de nos aperfeiçoar. Fazem tudo para nosso bem. São os novos anjos da guarda. E escolhem primorosamente a gaiola em que nos vão libertar. Libertam-nos de todos os vícios, de todas as gorduras, de qualquer autonomia e, se possível, do mais ínfimo rendimento. Neste excerto do filme Laranja Mecânica, um jovem ultra-violento está em vias de ser curado por dois peritos. Um perito para ti! Um perito para mim! E a vida sorri!
Stanley Kubrick. Laranja Mecânica. 1971. Excerto.
Animais
Assusta-me, mas assusta-me mesmo, o modo como o Estado e as organizações para-estatais se insinuam na privacidade das famílias e na intimidade das pessoas. Não sei se é doença infantil do totalitarismo ou biopolítica (Michel Foucault; Giorgio Agamben). Será que há quem olhe para as pessoas e veja animais? Não cheira a cravo, nem a canela, cheira a Hitler e a Estaline. Este azedume decorre do anúncio de novas imagens nas embalagens de tabaco? Talvez… De notícias de almas boas que corrigem almas más está o inferno cheio. No Jornal Público, de hoje, 12/05/2015, junto ao título “Maços de tabaco vão ter imagens de caixões de crianças”, destaca-se a notícia “Comportamento: Projeto aposta na parentalidade positiva para combater perturbações logo na infância”. No corpo do jornal, na página 8, o título é mais sugestivo: “E se houvesse uma “vacina” para os problemas de comportamento?”
Por falar em animais, há animais, em fábulas, filmes e anúncios, com efeito mais humano do que os humanos. Este anúncio brasileiro alonga-se (3:51) a contar a história de dois reclusos, acabados de sair da prisão, que se reintegram na sociedade graças à adoção de dois cães. Ao contrário da emoção sobressaltada, esta é tranquilamente garantida.
Marca: Pedigree. Título: First Days Out. Agência: AlmapBBDO. Direcção: Ricardo Mehedff. Brasil, Maio 2015.
Fuga da rotina
A primeira parte do anúncio Routine Republic, da Taco Bell, lembra o filme Equilibrium (2002). Na República, totalitária, da Rotina, a passividade dos cidadãos é garantida pelo consumo de hamburgers. Em Libria a neutralização das emoções é assegurada por uma droga, o Prozium, injectada colectivamente ao som da propaganda do regime. Em ambos os casos, destaca-se o aparato policial.
Na segunda parte, esperava outra modalidade de libertação por parte do casal. No anúncio Odyssey (2002), da Levi’s (aceder https://tendimag.com/2011/09/16/libertacao/), o casal destrói os muros com o próprio corpo. Por seu turno, o muro dos Pink Floyd acaba, apesar de tudo, por se desmoronar. Em Berlim, aconteceu o que se sabe. No anúncio Routine Republic, a via de libertação resume-se a um pequeno buraco no muro, por onde passa uma pessoa de cada vez. No fim de contas, os dois jovens são desertores (defectors), não são libertadores. A passagem do muro é individual. O mundo permanece dual, maniqueísta. Do lado mau, o totalitarismo, a rotina, o inumano e o hamburger; do lado bom, a democracia, a festa, o humano e o Taco Bell.
Marca: Taco Bell. Título: Routine Republic. Agência: Deutsche. USA, Março 2015.
Sociologia sem palavras 3. Globalização
O bailado do ditador com o globo terrestre, cena famosa do filme O Grande Ditador, de Charles Chaplin, é um desafio ao pensamento. Ocorre-me, por exemplo, que, graças à globalização, alguns, quase nenhuns, têm a capacidade de dar pontapés no planeta e muitos, quase todos, têm o direito de recebê-los.
Sociologia sem palavras. Episódio 3. Globalização.
A internet e a Revolução
Um pensamento sério, com expressão feliz. Este anúncio com toque surrealista, à Giorgio de Chirico, lembra Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, e, sobretudo, Le Roi et l’Oiseau, de Paul Grimault. Descoloridas e gelatinosas, as figuras do poder assemelham-se a peças de um jogo de xadrez subvertido pelas asas da internet. A agência Marcel Paris explica:
“We all know the role of social networks and Internet in spreading revolutions in Tunisia, Egypt and Libya.Social networks are now an essential source of information, as evidenced by the results obtained by France24, the French international news channel that broadcasts in three languages (French, English and Arabic).
It’s mainly the Arabic language version that broke all audience records during this period. But the channel as a whole has benefited from an increase in audience : in March 2011, france24.com experienced a peak in traffic with nearly 14 million visits and about 59 million page views.
The channel has also been very successful on Twitter thanks to its intense coverage of the Arab Spring, with a large amount of tweets dedicated to the topic, which enabled the channel to quintuple the number of followers of its Twitter account since the beginning of the year.
Based on these exceptional results, France24 and its agency Marcel have decided to highlight the link between freedom of information and freedom of expression on Internet”.
Marca: France 24. Título: The Birds. Agência: Marcel Paris. Direção: Philippe Grammaticopoulos. França, 2011.