Transformação
Multiplicam-se os anúncios com pessoas LGBT. O Paul’s Journey, da SJ Swedish Railways, é especial. Como diria Edgar Morin (1967, Commune en France, Paris, Fayard), é stendhaliano: tem o sentido do detalhe. Durante uma viagem de comboio, gesto a gesto, assiste-se a uma transformação da aparência identitária.
Marca: SJ Swedish Railways. Título: Paul’s Journey. Agência: TBWA Stokholm. Direcção: Anders Hallberg. Suécia, Março 2017.
A cerveja, os ouvidos e o orgasmo cerebral
Segundo o anúncio sueco The ASMAR Ear Beer, da cerveja Norrlands Guld Ljus, a ingestão de cerveja pelos ouvidos pode propiciar orgasmos cerebrais. Assombroso! A culinária é simples: duas colheres de realismo grotesco, uma, de expressionismo; três, de surrealismo; quatro, de absurdo; e duas, de pop art. Agita-se, com inteligência e técnica. O orgasmo cerebral pela orelha está pronto a servir. Diz-se que os povos menos soalheiros têm pouco sentido de humor. Preconceitos! Entre o riso e o espanto, o desbragado e o ruminado, há muito lugar para o humor. Este anúncio, à semelhança da Coca-Cola do Fernando Pessoa, estranha-se, entranha-se e saboreia-se. Com ou sem orgasmo cerebral.
Marca: Norrlands Guld Ljus. Título: The ASMAR Ear Beer. Agência: Hakestam Holst. Direcção artística: Joakim Khoury. Direcção criativa: Magnus Jacobbson. Suécia, Outubro 2016.
Filhos da Revolução
A descontinuidade da técnica na era da repetição cultural. Durante cinquenta anos, os rituais sucederam-se, apenas mudaram os objectos.
Marca: Telenor. Título: Telenor Mobile TV. Agência: Carbergs (Stockholm). Suécia, 2007.
Não resisto. Segue T. Rex, Children of Revolution. 1972.
T. Rex, Children of Revolution. 1972.
Pode ser!
“Um dia surgirá, por distracção do senhor, uma geração com direito a tudo e vontade de nada, bem-aventurada nos recursos e melancólica nas consequências. A geração do “pode ser” consta entre as mais esfíngicas dos últimos séculos” (AG, 2016).
O anúncio Scouts (Canal Digital) é absurdo, um exemplo de absurdo lógico. Com boa consciência e decisão ajustada, um grupo de escuteiros ajuda criminosos homicidas. A “ética da convicção” impele-os a ajudar o próximo. Trata-se, segundo Max Weber, de “uma acção racional com relação a valores” (Economia e Sociedade, 1910/1922), ou, segundo Vilfredo Pareto, de “uma acção não-lógica do 2º género” (Tratado de Sociologia Geral, 1916). Soa a “estúpido”, resumiria Carlo Cipolla (Allegro ma non troppo, 1976).
O anúncio Scouts é ousado. À primeira leitura, estranha-se, eventualmente, por “dissonância cognitiva” (Leon Festinger, A Theory of Cognitive Dissonance, 1957). À segunda leitura, percebe-se a narrativa, mas o anúncio não se entranha. À terceira, comenta-se. Vem à memória a palavra francesa con: “idiota”, segundo os dicionários. Na verdade, não existe nenhuma palavra portuguesa com “valor” semelhante. Basta o francês con significar também o sexo feminino. Os franceses abusam da palavra, mas não nos iludamos: os franceses têm a palavra e a realidade; nós não temos a palavra, mas temos a realidade. Georges Brassens, na canção Le temps ne fait rien à l’affaire (1961) repete 29 vezes a palavra con. Se pode ser, com algum jeito, também pode fazer. Angelo Branduardi mostra, na canção Si Può Fare, o quanto se pode fazer, em todos os sentidos e com as devidas contradições.
Marca: Canal Digital. Título: Scouts. Agência: TBWA/Stockholm. Direcção: Bart Timmer. Suécia, Maio 2016.
Charles Brassens. Le temps ne fait rien à l’affaire. 1961.
Angelo Banduardi. Si può fare. Si può fare. 1992. Ao vivo, em 1996.
A escada para o céu
O anúncio Camionushka, da Ford Argentina, apresenta um, dois, três, quatro, cinco camiões, cinco camiões empilhados. Tudo igual ao mesmo em equilíbrio e movimento.
“Camionushka me parece que tiene un humor justo y cuenta de manera casi literal el feauture del producto. Fue un enorme desafío poder hacerlo, con pruebas previas, cálculos, medidas, pesos, etc.” (Toni Waissman, direcção geral criativa, agência Blue Hive).
“Camionushka nos cautivó desde un primer momento ya que lograba plasmar los 4 pilares de este producto: robustez, seguridad, tecnología y confort” (Juan Carlos Janocko, gerente de vendas e marketing dos camiões Ford).
Nada de valores pós-materialistas (Ronald Inglehart, The silent Revolution, 1977), nada de afrouxamentos líquidos (Zygmunt Bauman, Liquid Modernity, 2000). Nem sequer o Van Damme do anúncio aos camiões Volvo ou a respectiva paródia aérea com Chuck Norris.
Uma vez sobrepostos, estes camiões lembram uma escada, a escada do sonho de Jacob, em versão peso pesado.
Anunciante: Ford Argentina. Título: Camionushka. Agência: Blue Hive Argentina. Direcção: Roi Ricci. Argentina, Abril 2016.
Marca: Volvo. Título: The Epic Split Feat. Van Damme. Agência: Forsman & Bodenfors, Gottenburg. Suécia, 2013.
Paródia do anúncio da Volvo, com Chuck Norris. 2013.
O Toque da Morte
“Mas o grande desequilibrador deste funambulismo coletivo é, naturalmente, a morte. Afastamo-la do claustro para o cemitério, do centro para a periferia, da rua para o ecrã, sempre com ela ao colo (Thomas, Louis-Vincent, Civilisation et divagations. Mort, fantasmes, Paris, Payot, 1979). Entre 1960 e 2011, a esperança de vida de um português subiu de 60,7 para 76,7 anos e a esperança de vida de uma portuguesa de 66,4 para 82,6 anos. Cerca de 16 anos! Já há quem “declare morte à morte” (Alexandre, Laurent, La mort de la mort, Paris, JC Lattès Editions, 2011). Entretanto, a morte espera, dança e ri, como nos quadros de James Ensor, Otto Dix e George Grosz. “A morte agarra aqueles que lhe fogem”, terá dito Horácio” (AG, Qualidade de Vida, aguarda publicação no ComUM online).
Anunciante: UNICEF Sweden. Título: The sound of Death. Agência: Forsman & Bodenfors. Direcção: Torbjörn Martin. Suécia, Abril 2015.
Adamastor
É tempo de recarregar, é tempo de ressurgir. Em câmara ultra lenta. Um belíssimo efeito. O recarregado é o futebolista Zlatan Ibrahimovic. É bizarro, mas esta figura vagarosamente emergente recorda-me o Adamastor.
Marca: Vitamin Well. Título: It’s time to reload. Agência: Acne. Suécia, Janeiro 2015.
Susto
A publicidade também serve para pregar sustos. Neste caso, até faz sentido: trata-se de promover um parque de diversões. A quadra é propícia. Partidas, de bom e de mau gosto, sempre existiram. Algumas, como esta, são impróprias para cardíacos. Às vezes, pergunto: de que matéria somos amassados para apreciar rostos de espanto e medo?
Marca: Grona Lund. Título: The Hounted Poster. Agência: Pool, Stockholm. Suécia, Outubro 2014.
A arte de escolher as cadeias
“La liberté c’est l’art de choisir ses chaînes” (Pascal / Nietzsche). E cada cadeia que quebramos é um novo espaço de liberdade que conquistamos. Este pensamento acompanha-me desde a adolescência. Sinto-me, porém, menos livre que outrora. Mudou a realidade? Mudou o sentimento? Tanto mandatário da liberdade, e apenas ouço o passo das formigas no chão.
Entre a liberdade e as cadeias não há soma nula. Com o tempo, perdi cadeias e liberdade. Sobra-me a liberdade de escrever para nada. Mal se começa a escrever para algo, logo os dedos ficam entalados e as palavras se encarneiram. Pensar para nada, escrever para nada, é o privilégio do espírito livre, o cúmulo da scholé, a distância à necessidade e à urgência de que fala Pierre Bourdieu.
Vêm estes apontamentos a pretexto do anúncio da H&M e a propósito da vida. O anúncio aposta num movimento sensorial, senão sensual, de dobra e abertura, de envolvimento e liberdade, com sobressaltos de sufoco e libertação. “Sê verde, veste azul”! Eis o pão nosso da liberdade responsável.
Marca: H&M. Título: Go green. Wear Blue. Produção: New Land. Direção: Gustav Johansson. Suécia, Setembro 2014.