Caras sorridentes

I just want to celebrate another day
Oh, I just want to celebrate another day of livin’
I just want to celebrate another day of life
Don’t let it all get you down, no, no
Don’t let it turn you around
And around and around and around and around
Round, round, round
Round, round, round, round, round
Don’t go round(Rare Earth. I Just Want To Celebrate. 1971).

Rare Earth é o nome de uma excelente banda dos anos sessenta e setenta bastante ignorada na altura e muito esquecida depois.
Sedução salgada

Tudo parece outra coisa neste anúncio. O piropo parece galante e a beleza parece cativa da sedução. Até um “favorzinho” parece um cavalo de Tróia. Para uma perspectiva feminina da relação entre piropo e assédio, ver “Piropo é assédio ou sedução?” (https://jornaldeca.pt/piropo-assedio-ou-seducao/).
HBAG: Homens, banais, avantajados e grotescos

No anúncio Wind/Water/Sun, da Neo-Zelandesa Meridian Energy, aparece, fugaz, um papel a voar numa praia. Lixo. Inclui, também, um cão, lancheiras, linhas de pesca, um carro e um cavalo. Podia prescindir-se do papel! A visualização no ecrã legitima, quando não valoriza, a incivilidade. Custa a aprender a lição da palhinha do Lucky Luke. As imagens querem-se, de preferência, sem vícios! Vê-los, intoxica. Erradicar o papel do anúncio é uma espécie de prevenção ecológica. “Le fournisseur d’énergies 100 % renouvelables Meridian Energy nous rappelle qu’il faut ramasser ses déchets dans un spot qui en jette !” (http://www.culturepub.fr/videos/meridian-energy-wind-water-sun/). Censura? Nem por sombras, apenas olhar lavado. Os críticos perguntam: “por que corre o protagonista?” Atrás da democracia? Se, em vez de um papel, a Meridian Energy tivesse optado por um ananás, imaginar-se-ia que o protagonista está a jogar rugby. Para além da impertinência do papel, o anúncio exibe um HBAG: um homem banal, avantajado e grotesco. Faz parte dos óculos contemporâneos. Lavagem, sim, mas com rugas.
Este anúncio lembra-me o Beach. Whatever’s Confortable, da Southern Comfort. Um pecado diferente, mais lento, mas, na mesma, um HBAG.
Balada marítima. Dormir com as ondas


“Dorme menino
Que aí vem o papão
Comer meninos
Que não dormem, não
(Balada popular, excerto)
No inverno, o mar continua a molhar a areia. Frente à praia, há quem dispense sair do carro. Ajusta-se o assento e toca a dormir. Uma soneca balnear. Junto ao paredão, proliferam os adeptos do sonho ao ar livre. O murmúrio das ondas embala e a humidade do ar descongestiona. Não é mas parece uma nova religião. Perdoem-me, mas vem-me à memória a rumba de Los Payos, Maria Isabel.
Festival para Gente Sentada
As férias terminaram, mas Moledo continua. Não me lembro de ver tantos carrinhos de bebé, tantas mulheres grávidas, tantas pessoas com cão e, sobretudo, tamanha afluência de carros a banhos. Moledo, no verão, está a mudar, a mudar no sentido inverso. Não estranhava ver nas redondezas de Moledo o Sufjan Stevens, cantor e compositor norte-americano, nascido em 1975. Tenho dois cd de Sufjan Stevens: Seven Swans (2004) e Illinoise (2005). Adquiri-os por altura da sua participação no Festival para Gente Sentada, em Braga, em 2004, no mesmo ano que Devendra Banhart. As três músicas seleccionadas pertencem ao disco Seven Swans.
Sufjan Stevens. We Won’t Need Legs to Stand. Seven Swans. 2004.
Sufjan Stevens. A good man is hard to find. Seven Swans. 2004.
Sufjan Stevens. Seven Swans. Seven Swans. 2004.
Amor a três
O anúncio Beach, da BMW, é um concentrado de humor absurdo. Apresenta o trio do costume: o homem, a mulher e o carro, num amor a três. Ao volante, o homem; a reboque, a mulher. Entre ambos, o beijo. Um beijo trepidante, com perfume a maresia. Assim pode começar uma moda: a moda do beijo radical.
Acrescento uma imagem humorística bem gizada. Insólita e desproporcionada. Nem por isso deixa de inquietar o pensamento. Nesta viragem das universidades para a investigação e a internacionalização, que lugar sobra para os estudantes?
Marca: BMW. Título: Beach. Agência: KBS. Direcção: Pretty Bird. USA, Outubro 2017.
Semear seixos na areia
Aproxima-se a praia, a nossa utopia de estimação! Após trezentos e trinta dias encavalitados, podemos, enfim, pasmar o presente e ler o futuro na meteorologia. É tão bom sentir o vento nos pêlos, a água nos calcanhares e um par de mãos a besuntar-nos as costas. E escurecer o mundo com óculos de sol! Se mandasse, decretava obrigatório o uso de óculos de sol. Há pessoas que adoram este enterro da agenda e esta ressurreição dos corpos. Nada se compara a este mergulho imaculado no caldeirão do pecado. A gula, a luxúria, a inveja, a preguiça e o orgulho tostam ao sol. A gente sente-se tão bem! A vida e a alma remam ao sabor da maré. A vida vai a banhos!
Não gosto da praia. Do mesmo modo que a raposa rejeita as uvas. Não me dou com aquele ar molhado e empoeirado, com tempero a sal. Não há momento da praia que não pague com tosse. Por mês, condescendo três idas à areia e uma dúzia à esplanada. É quanto baste! Se, por penitência, desço à praia, entretenho-me a ver a minha sombra a escrever poemas na areia. Guardo estes versos com sete camadas de pudor. Não são poemas. São escapatórias de quem seca sem se ter molhado. Tenho algum carinho por esta Antecipação da praia. Pelos últimos versos: “semear seixos na areia à espera que cresçam árvores de pedra”. Reconheço-me, a mim e ao meu País.
“Que tenho a força de sumir também”
(Mário de Sá-Carneiro)
Antecipação da praia
Na orla salgada
Um pêndulo pasmado
Sem voo, nem asa
Apenas ar trovoado
Desfio nos dedos
O sargaço do tempo
Acendo um cigarro
Nas barbas do sol
Com a alma a tossir
Deixo-me afundar
Num caldo de cinzas
Com búzios de luto
Vultos sem sombra
Passeiam nuvens de pó
Com óculos escuros
E mamilos estrávicos
Corpo dobrado
Semeio seixos na areia
À espera que cresçam
Árvores de pedra
Grotesco imparável
Assegura-se existir uma tendência para os homens serem focados e as mulheres panorâmicas. Mas não é lei da natureza. Na praia, a propensão inverte-se: os homens ficam panorâmicos comportando-se como radares descontrolados. Não é, porém, o caso do herói deste anúncio bastante original: não há obstáculo ou tentação que o desvie do motivo dos seus passos: um copo de Southern Comfort. Anúncio bastante original, na forma e na substância.
Marca: Southern Comfort. Título: Beach. Whatever’s Comfortable. Agência: Wieden + Kennedy, New York. Direção: Tim Godsall. EUA, Julho 2012.
Prisão de espírito
Coitados! Sobretudo o enterrado na areia com a careca ao sol… Coitados! Com prisão de ventre. E nós solidários, com um sorriso no canto da boca. E se, em vez do ventre, lhes doesse o peito ou a cabeça? E nós solidários, com uma lágrima no canto do olho. Assim vai o nosso mapeamento do corpo humano. Com prisão de espírito!
Anunciante: Dukoral. Título: Not a Good Time. Agência: Torre Lazur Mccann. Direcção: John Grammatico. Canadá, Novembro 2011.