Espelho meu
Ano após ano, as campanhas da Dove primam pela inteligência. Uma série de ovos de Colombo. O princípio de que há mais estética para além da estética revelou-se um filão. Nada que a história da arte não saiba. Não obstante, na publicidade o padrão pertence à Dove. Por quê insistir em sintonizar os anúncios em torno de uma centésima de mulheres? Por quê ignorar as mulheres que não se entusiasmam com o que vêem no espelho? São receitas que dão frutos, mas outras receitas podem lograr frutos mais saborosos. Pasmar com a beleza alheia é uma coisa, cuidar de si é outra. O anúncio Retratos da Real Beleza transpira talento, criatividade e sensibilidade. O retratista vê com os ouvidos, porventura “com o coração”. Assim se faz um dos anúncios mais premiados em 2013 (cinco grandes prémios em Cannes). Por sua vez, o director criativo, o brasileiro Anselmo Ramos, da Ogilvy Brasil, é o mais premiado do ano.
Marca: Dove. Título: Retratos da Real Beleza / Real Beauty Sketches. Agência: Ogilvy. Brasil, Abril, 2013.
Sem-abrigo. A arte da sobrevivência
Este anúncio do Mosteiro Franciscano de Düsseldorf deixa, à primeira vista, um travo turvo. É promovido por quem lida de perto com a pobreza e não apenas por quem a retrata. Adivinha-se, nos detalhes dos pequenos gestos, uma cumplicidade de todos os dias. As imagens logram o efeito desejado. E a música? Não é desengraçada, mas é excessiva. Embacia os óculos e enche moldura onde se encolhe a “arte da sobrevivência”. Duas forças podem corroer-se mutuamente. Afinal, quem é o artista? O sem-abrigo? A Tinseltown Music Productions? A Ogilvy & Mather? O mosteiro franciscano? O público? Será que, para além de ver com os olhos do coração, também temos que abanar a cabeça entre as orelhas?
Anunciante: Franciscan Monastery. Título: Surviving is an Art. Agência: Ogilvy & Mather. Direção: Florian Meimberg. Alemanha, Outubro 2013.
O gorila que quer ser panda
Gata ao colo… Desde que os animais gostem de nós! O resto que vá votar! Em algum gorila, de preferência.
Uma excelente anúncio de sensibilização da Ogilvy para a APES, com um final desconcertante.
Anunciante: APES. Título: APES (A project of the Conservation Trust). Agência: Ogilvy & Mather Chicago. Direção: Paul Dektor. EUA, Maio 2013.
Discriminação de género
Transferir um atributo típico de uma figura para outra de que é atípico representa uma solução clássica de humor. Por exemplo, o cabelo da mulher para o homem. Mas, para além da confusão de género, estamos perante um anúncio a um shampoo “masculino” que parodia e caricatura os anúncios a shampoos “femininos”. Para salvaguarda da masculinidade…
Marca: Dove. Título: Slow. Agência: Ogilvy. Direção: Carlão Busato. Brasil, Março 2013.
Humor Negro e Humor Colorido
O humor é a perdição da publicidade actual. Há para todas as doses, todos os feitios e todos os gostos. Os anúncios que seguem, da Volkswagen e da PETA, incidem sobre situações de elevada carga simbólica: o roubo, a moda e o cativeiro. Mas os procedimentos adoptados são distintos. Mask, com a assinatura de Noam Murro, alonga-se em torno de um equívoco: o “ladrão”, afinal, não pretende roubar a loja; o “gang”, afinal, não é um “gang”; as máscaras, afinal, não se destinam a disfarce em caso de assalto mas para desfrutar de um Volkswagen descapotável em pleno inverno. Runway Reversal, como o título sugere, aposta na inversão de papéis, à boa maneira de “O Planeta dos Macacos”. Animais desfilam vestidos ostensivamente com peças humanas; os seres humanos, por sua vez, rastejam nus e indefesos em jaulas acanhadas. O humor de Mask é colorido, regenerador e aprazível; o humor de Runway Reversal é negro, corrosivo e incómodo. Aproveito a embalagem para acrescentar uma música: Nick Cave & The Bad Seeds publicaram há dias um novo cd: Push the Sky Away. Segue o vídeo com a primeira faixa: We Know Who U Are. Algo como um pouco mais do mesmo.
Marca: Volkswagen. Título: Mask. Agência: The Mill. Direção: Noam Murro. EUA, Fevereiro 2013.
Anunciante: PETA. Título: Runway Reversal. Agência: Ogilvy & Mather Beijing. China, Fevereiro 2013.
A Veia Mágica
Filhos das Luzes, da Razão, da Ciência e da Técnica, mantemos acesa a veia mágica! O homem hipermoderno não se desfaz do “pensamento mágico” (Lucien Lévi-bruhl), entrega-se, pelo contrário, ao “reencantamento do mundo” (Max Weber) e ao “fetichismo da mercadoria” (Karl Marx). Uma trinca na pastilha Halls e era uma vez o gato borralheiro.
Marca: Halls. Título: Wire-Frame Car. Agência: Ogilvy Cape Town. Direção: Terence Neale. República da África do Sul, Setembro 2012.
Caça Palavras
Os videojogos fazem parte da nossa vida e, naturalmente, da publicidade. A par do humor, do corpo, do sexo, dos ídolos e do desporto, os videojogos abrem o seu caminho. Este anúncio da Faber-Castell combina com sucesso o First Person Shooter Game, o Paintball, o alfabeto e o marcador. Quantos livros não manchei com cores pop art para nunca mais os reabrir! Cemitérios de letras pintadas.
Marca: Faber-Castell. Título: Don’t Miss a Word. Agência: Ogilvy , Singapore. Singapura, 2012.
Ninguenização
Que as palavras são performativas (J.L. Austin) e alimentam predições criadoras (W.I. Thomas), já se sabe. Que aqueles que nelas acreditam são os mais vulneráveis, também. É o que recorda este anúncio da campanha “Children believe what they are told”, promovida pela ISPCC, instituição irlandesa responsável por uma Linha Criança.
Anunciante: ISPCC. Título: Stupid little bitch. Agência: Ogilvy. Direção: Kieron J. Walsh. Irlanda, Setembro 2012.
“CEO Ashley Balbirnie; “Emotional abuse undermines confidence and self-worth and can have a detrimental impact on a child. To highlight this, the ISPCC have launched the ‘Children believe what they are told’ campaign. Following on from our Anti-Bullying Week, and the reaction to this from schools, parents and young people nationwide, we know that words can leave deep scars that can have a lasting negative impact on children’s self –esteem.”
As part of our campaign, with the help of our great supporters Ogilvy, we have produced an online video and TV ad which stresses the serious issue of emotional abuse suffered by children in Ireland every single day, whether it is in their family home or the school yard. The girl in our video encompasses the many stories we hear from children every day, children who experience feelings of worthlessness, who feel unloved and feel they do not deserve to be happy. The print ads reflect the words used towards children. Words that are harmful to self-esteem and feelings of self-worth, words that should never be spoken to any child.” (http://www.mediacontact.ie/mediahq/ispcc/32486/childline-launches-its-children-believe-what-they-are-told-campaign.html).
Perrier: O Extintor do Sol
No que respeita a anúncios, a Perrier tem um palmarés fantástico, sempre inovador há mais de meio século. Este é o último anúncio da Perrier, a gota de água que refresca o mundo.
Marca: Perrier. Título: The Drop. Agência: Ogilvy France. Direção: Johan Renck. França, Maio 2012.
Desgravitar: O Gato e a Torrada
Esta “Gatorrada” surpreendeu-me, o que é raro. Deixei-a a marinar para me habituar. Assenta num paralogismo: os gatos caem sempre sobre as patas e as torradas, segundo a “lei de Murphy”, com a parte barrada para baixo; se colocarmos no dorso de um gato uma torrada com a parte barrada para fora e os deixarmos cair, estes acabam por ficar suspensos no ar, uma vez que o gato nunca cai de costas, nem a torrada cairá com a parte barrada para cima. (http://uncyclopedia.wikia.com/wiki/Murphy%27s_law_application_for_antigravitatory_cats). Esta anti-gravidade, associada ao movimento giratório perpétuo, constitui uma fonte de energia inesgotável.
A publicidade é, porventura, a mais predadora das artes. Inspira-se a torto e a direito. Pega as ideias onde estiverem. Para ilustrar a popularidade do caso do gato e da torrada, acrescento um vídeo publicado em 2006.
Marca: Flying Horse. Título: Gatorrada / Cat-toast. Agência: Ogilvy. Direção: Tomat. Brasil, Maio 2012.