De uma extremidade à outra

A uma amizade reencontrada
olhamos para o lado
uma criança chora
esquecida da dureza do vento
quando a terra é seca
e os cardos invadem as dunasleva no olhar o sal
nas mãos um barco de papel
asas longas
à espera de um sopro
e um bafo quente
de boca interiornão bastam as pegadas na areia
pés de planta augadaerguemos o rosto
beijamos a espuma dos dias
perguntamose se a morte não basta?
(Almerinda Van Der Giezen. Excerto de poema)
Vivemos tempos ambivalentes. Aliás, o mundo sempre foi ambivalente. A lentidão convive com a aceleração e a luxúria com a humildade. Juntas, vizinhas ou à distância. Ora devoramos, ora ruminamos. Ávidos ou resignados, “vogamos num meio vasto, sempre incertos e flutuantes, impelidos de uma extremidade a outra” (Pascal, Blaise, Pensamentos, Artigo XVII – Conhecimento geral do homem). Consoante o estado do mar.
Criativos e invulgares, os anúncios Dry e Second Edition, da, Zara justificam uma atenção e um olhar redobrados.
Pôr a vida a pastar
Round like a circle in a spiral, like a wheel within a wheel / Never ending or beginning on an ever spinning reel (Abbey Lincoln, Windmills of your mind).
Com mobilidade reduzida, a relação com o mundo adquire outra feição. Resulta mais lenta e mais minuciosa. Pasma-se com as aventuras da gata, desde os primeiros namoros até ao aleitamento das crias, uma preta como o pai, a outra às listas tal e qual a mãe. Acompanha-se a melra que repete cinco vezes o mesmo voo desde o comedouro dos gatos até às bocas no ninho. Até as plantas se animam: sofrem os limoeiros com as invasoras, têm sede os morangueiros nos vasos e destaca-se a primeira folha avermelhada na cerejeira. Tudo entremeado com música. Hoje, jazz. Partilho três faixas do álbum over the years, de Abbey Lincoln: Windmills of your mind; What will tomorrow bring; e Tender as a rose.
Tédio e lentidão


A um amigo que me ofereceu histórias de imagens, de Robert Walser.
A lentidão é um luxo, o tédio um tormento. Onde está a fronteira?
Regresso às “minhas” músicas; deixo os “tops of the pops” para outras oportunidades. Hoje, estive a ouvir o álbum Astral Weeks (1969), de Van Morrison. Coloco as três últimas faixas.
Como ser mais humano?

Os nossos tempos andam confusos e divididos. Ora apelam à superação, ao esforço e ao rendimento ((anúncios 1 a 3), ora sugerem a descontração, a lentidão e a sensibilidade (anúncios 4 e 5). Os nossos tempos ou nós?
Devagar, que quero amar
Muitos artigos do Tendências do Imaginário conjugam anúncios e músicas. Habitualmente, escolho primeiro o anúncio e, em seguida, uma ou várias músicas a condizer. Neste artigo, escolhi primeiro a música: S’apre Per Te Il Mio Cuor, de Camille Saint-Saens. Gosto de Saint-Saens, das suas melodias românticas. Acabei por optar pelo anúncio The Chase, da Galaxy (Dove). Um belo anúncio com um lema sábio: “corra menos para sentir mais”. A pressa impede Cupido de acertar. Devagar, para amar. Para o coração se abrir.
Camille Saint-Saens. S’apre Per Te Il Mio Cuor (versão italiana). Ópera Sansão e Dalila. 1877. Canto: Filippa Giordano.
Marca Galaxy (Dove). Título: The Chase. Agência: AMV/BBDO (UK). Direcção: Juan Cabral. Reino Unido, Fevereiro 2017.
Elogio da lentidão

Caracóis brincam às escondidas.
Sou apóstolo da lentidão. Nada como pescar memórias num lago pasmado. Mas há quem sulque as águas a remar sem barco rumo ao futuro. Com tanta velocidade que as memórias ficam para trás.
Indiferença, preguiça e entorpecimento, eis a trilogia da lentidão. Tem discípulos na música. Por exemplo, os Deep Purple (Lazy, 1972) ou Georges Moustaki (Le Droit à La Paresse, 1974). Escolho, porém, o irlandês Bob Geldof, promotor dos Band Aid, do Live Aid e do Live 8. Assumiu o papel de Pink, na canção Confortably Numb, no filme The Wall, dos Pink Floyd. Seguem três vídeos musicais: dois a solo (The Great Song of Indifference e I don’t like Mondays) e um terceiro com David Gilmour (Confortably Numb, ao vivo em 2002).
Bob Geldof.The Great Song of Indifference. The Vegetarians of Love. 1990.
Bob Geldof, com os Bootown Rats. I don’t like Mondays. The Fine Art of Surfing. 1979
David Gilmour feat Bob Geldof. Confortably Numb.The Meltdown Concert. 2002.
Elogio da lentidão
Não apresses o momento! As coisas acontecem quando devem acontecer. Devagar. A espera tece o tempo e enreda o futuro. O tempo que dança. Pensa na tartaruga, no nascer do dia, no jogo de xadrez, na poeira do deserto… Quanto tempo precisa a maçã para ser cidra? O que for preciso. O tempo certo. “Not a Moment Too Soon”, da Bulmers, é um anúncio notável, esteticamente primoroso, com imagens em belos tons de cidra, bem compassadas pela música. Tempo que se vive, tempo que se bebe.
Marca: Bulmers. Título: Not a Moment Too Soon. Agência: Publicis, Dublin. Direcção: Aoife McArdle. Irlanda, Abril 2015.