O consumo da violência
A violência sempre acompanhou o homem. Diz-se que é bíblica. Uma égua do apocalipse. Ambivalente, provoca atração e repulsa. Não desejamos ser nem carrascos nem vítimas, mas assistimos ao espectáculo. A violência é ubíqua: aparece nos ecrãs, nas estradas, nas manifestações, nos atentados, nos tiroteios, na escola, no desporto e, até, dentro de casa. Ambivalentes e ambíguos, proibimos um anúncio com uma menina sentada numa ferrovia mas facilitamos o acesso às armas. Nos ecrãs, convivemos mais facilmente com a violência do que com o tabaco: nos livros e nas séries do Lucky Luke, a palhinha não substitui a pistola mas o cigarro. Maná ecránico, a publicidade encena e parodia a violência, em princípio gratuita, mas, presumivelmente, com custos.
Apetece “virar o bico ao prego”. Abraçar a contradição. Nos anos sessenta, apreciava-se os filmes violentos. As pessoas riam com as cenas violentas dos filmes Péplum (e.g., Hércules), de terror (e.g., O Exorcista, 1973), de guerra (e.g., O dia mais longo, 1962) ou western (e.g., Trinitá, cowboy insolente, 1970; o filme é italiano, bem como os actores Terence Hill e Bud Spencer). No entanto, nenhum dos meus amigos se tornou serial killer. Autores como Georg F. W. Hegel, Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud, Georges Bataille ou Lewis A. Coser consideram a violência fundacional e funcional. Na Idade Média, acreditava-se que a contenção excessiva da violência podia desembocar numa explosão de violência. Recomenda-se a catarse, a excitação (Norbert Elias) e a homeopatia (Michel Maffesoli). A violência existe, mas coloquem um filtro, um véu ou óculos para não se ofuscar.
Água do deserto

Os anúncios da Sony são extraordinários. Efeitos visuais fabulosos e uma estética fantástica. No anúncio Desert Water, o som é vedeta. Sai, incluindo a voz de Grace VanderWaal, do próprio ecrã. Uma gota de água avoluma-se, através de um dominó de monitores, até se despenhar numa cascata. O som, portentoso, é imersivo. Tão real como o real!
Da série de anúncios a televisores da Sony, o meu preferido é o Balls, de 2005 (ver https://tendimag.com/2013/11/05/erupcao-de-cores/). Recordo, não obstante, o Strangely Beautiful / Ice bubbles, de 2014.
We soon see the beginning of life, as a single drop of water emerges into the scene through a BRAVIA AG9 TV. The drop turns into a river as the music grows to match its intensity and strength. As the spot leads us through an ever-emotive experience, we witness the river becoming a beautiful waterfall, a climatic finish that lets the viewer be immersed in sound and vision (Innocean).
Alquimia digital
Em colaboração com o Fernando.
Pode citar-se uma obra própria sem incorrer em autofagia. Acontece no anúncio Become More Powerful, de Dante Ariola, para a Electronic Arts Inc. Na primeira parte, que dura 70 segundos, as personagens desvanecem-se deixando para trás a roupa e os objectos. Trata-se de uma alusão à luta entre Darth Vader e Obi-Wan Kenobi no filme Star Wars: Episode IV A New Hope. Obi-Wan desaparece deixando a roupa. Esta espécie de despojamento é frequente nas experiências místicas, significando uma maior exposição à alteridade e, eventualmente, à divindade. As personagens desaparecidas readquirem vida na segunda parte do anúncio (50 segundos). Entram no mundo fantástico da Guerra das Estrelas. O mergulho é alucinante. Paira uma sensação de imaterialidade. Troca-se de pele, de corpo e de alma. Algo como uma transubstanciação com transfiguração. Somos nós e não somos nós. Uma espantosa alquimia do ego. Na Idade Média, os gamers seriam, provavelmente, suspeitos de santidade: são propensos a êxtases! Mas a imersão e o alheamento são temporários, cedendo lugar à banalidade do indivíduo e do real. Há sempre uma âncora, um punhado de roupa, à nossa espera!
Neste artigo, ainda não desconversei o suficiente. Faltam umas linhas. Será o gamer o monge da pós-modernidade? O monge precisa de uma célula recatada, o gamer de um casulo electrónico; um debruça-se sobre manuscritos, o outro, sobre ecrãs; aquele medita, este concentra-se; o primeiro pertence a ordens, o segundo a tribos. Ambos se expõem a visões. Os monges foram úteis ao longo da história. Quanto aos gamers, para além do divertimento, importa promover um Quizz sobre o assunto na Internet. Palpita-me que os videojogos são pedagógicos. Aliás, na nossa sociedade, tudo tende a ser pedagógico. Até a mais inenarrável boçalidade. Foram necessário séculos e milénios para chegar à sociedade aprendiz. Nem Michel Foucault nos acode. Este parágrafo é da minha exclusiva responsabilidade.
Marca: Electronic Arts Inc. Título: Become More Powerful. Agência: Heat. Direcção: Dante Ariola. Estados Unidos, Novembro 2015.
Luta entre Darth Vader e Obi-Wan Kenobi, no filme Star Wars: Episode IV A New HopeI, 1977.
O martelo da revolta
«En otro tiempo, se dejó de ver el sol duran te varios meses; un rey muy poderoso lo había capturado y encarcelado en la fortaleza más inexpugnable. Pero los signos del zodíaco acudieron a socorrer el sol; rompieron la torre con un gran martillo; así liberaron al sol y lo devolvieron a los hombres; este instrumento merece pues la veneración, por el cual la luz se devolvió a los mortales» (culto lituano antigo; Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain, 1986, Diccionario de los symbolos, Barcelona, Ed. Herder, pp. 797-798).
Aprecio os anúncios da empresa alemã Hornbach. Pautam-se pelos princípios da potência e da força de vontade em situações extravagantes. O anúncio Wir haben nie gesagt, dass es einfach ist (nunca dissemos que era fácil) não foge à regra. Apresenta, no entanto, a particularidade de a potência ser feminina. Lembra o anúncio 1984, da Apple: uma mulher atlética, com um martelo, combate a opressão. Lembra, também, os corpos das atletas do filme Olympia (1938) de Leni Riefenstahl: o mesmo lastro mitológico. Um a um, são destruídos, à martelada, os estereótipos da mulher servil e da mulher objecto. Estou, porém, em crer, com a perversidade do costume, que no protagonismo e nos gestos desta luta titânica contra os estereótipos do feminino paira o fantasma de um estereótipo do masculino.
Marca: Hornbach. Título: Wir haben nie gesagt, dass es einfach ist. Agência: Heimat (Berlin). Alemanha, Outubro 2017.
Marca: Apple. Título: 1984. Agência: ChiatDay. Direcção: Ridley Scott. Estados Unidos, 1984.
Nós somos imagens que passam
No anúncio Hunt, da Telefónica, meio mundo anda a ecranizar a outra metade. Na verdade, andamos a ecranizar-nos uns aos outros. Nada escapa: nem a sapatilha aerodinâmica, nem o cabelo inteligente. Ecranizamo-nos pela frente, ecranizamo-nos por trás. É uma partilha compulsiva de imagens de si e do outro, numa ecranização global. Somos, em termos de imagens, uns arroseurs arrosés. A geração do pós-anonimato ou, se se preferir, da pós-intimidade. Nous sommes les enfants des Lumière(s). “Nós somos imagens que passam, num mundo transformado em ecrã”. O que me irrita, solenemente!
Anunciante: Telefonica Movistar & Motorola.Título: Hunt. Agência: McCann Erickson Madrid. Espanha, Fev. 2010.
Les frères Lumière. L’Arroseur arrosé. 1895.
Visão secreta
Há ocasiões em que os dois olhos não chegam. Por exemplo, hoje: Papa, Benfica, Eurovisão. Alguém pediu um três Fs? É muito ecrã para um distraído. Que fazer? Adquirir os óculos da Directv, (mais) um invento que vai revolucionar a nossa vida. O sonho torna-se realidade: vemos e não vemos, estamos e não estamos, participamos e não participamos. Nos contextos mais incríveis, apenas vemos futebol. O que a técnica pode fazer por nós!
Marca: Directv. Título: Sportglasses. Agência: Ogilvy Argentina. Direcção: Federico Russo. Argentina, Abril 2017.
A ligação à Internet
“A última diligência da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a conhecer isso” (Blaise Pascal, Pensamentos).
Há quem acredite que a Internet começa no ecrã. O gesto inicial do utilizador seria a ligação, seguida pela imersão. A minha ideia é outra, o utilizador faz parte da Internet. Nem ponto de partida, nem ponto de chegada, mas ponto de passagem. Não vamos à Internet, reencontramo-nos na Internet: no correio electrónico, nas redes sociais, no blogue… Mesmo quando não estamos na Internet, estamos na Internet.
Apesar do entusiasmo pelo fenómeno da imersão, não se vislumbra sombra de luto pela emersão. A emersão enche-nos os olhos e os ouvidos, mais o corpo do que a mente. Entre a imersão e a emersão, as fronteiras são frágeis e porosas. Há filmes, vídeos musicais e anúncios publicitários que, nesse capítulo, lembram as gravuras do E. C. Escher.
Nestes anúncios da Terra Zoo, a imersão e a emersão intrincam-se. Num gesto, conjugam-se, num ápice, imersão e emersão. É raro um anúncio ser, simultaneamente, tão expedito e tão sedutor. Um piscar de olhos perfeito para promover uma empresa comercial online.
“A razão nunca se sobrepõe totalmente à imaginação, o contrário é corrente” (Blaise Pascal, Pensamentos).
Marca: Terra Zoo. Título: Dog Food. Agência: Quadrante Advertising, São Luís. Brasil, Junho 2015.
Marca: Terra Zoo. Título: Coleira. Agência: Quadrante Advertising, São Luís. Brasil, Junho 2015.
Marca: Terra Zoo. Título: Osso. Agência: Quadrante Advertising, São Luís. Brasil, Junho 2015.
Dentro e fora. O olhar do século.
Dentro ou fora? De dentro para fora? De fora para dentro? Dentro e fora.
Para Francesco Casetti, o cinema é o olhar do século XX (L’occhio del Novecento. Cinema, esperienza, modernità, Milano, Bompiani, 2005), um olhar que entra no ecrã, do cinema ou da televisão (Dentro lo sguardo. Il film e il suo spettatore, Milano, Bompiani, 1986; com F. di Chio, Analisi della televisione. Strumenti, metodi e pratiche di ricerca, Milano, Bompiani, 1998).
“With regard to vision, the film aims to “fill the eyes” of the spectator, to solicit him sensually: the filmic experience mobilizes a perceptive intensity that allows the spectator to “immerse” him or herself in that which he or she is watching. In this sense we can say that filmic images, more than objects to be seen, constitute a visual environment. But film seems to do other things, as well: it seems to want to “restitute” to the spectator that reality which on the screen is not present if not in its appearance; and it seems to want to do so through an illusion” (Casetti, Francesco, 2007, The Filmic Experience: An Introduction, p. 10: https://francescocasetti.files.wordpress.com/2011/03/filmicexperience1.pdf).
O envolvimento visual, além de propiciar a entrada do olhar no ecrã, promove a imersão do próprio espectador, convidado a co-construir a experiência fílmica. “O olhar do século XX” não é apenas imersivo, não se limita a “encher os olhos”, é também interactivo. A imersão coexiste com um sentido de distanciação. Dentro e fora, o cruzamento de olhares conjuga-se na experiência fílmica. O anúncio do Seattle International Film Festival contempla, de algum modo, este tango de perspectivas.
Anunciante: Seattle International Film Festival / SIFF. Título: Be Watching. Agência: Wongdoody. Direcção: Lindsay Daniels. USA, 2015.
Ecrãs de sonho
Afastemos o mal para demandar a antecâmara do paraíso: a publicidade. Os ecrãs, não sei se nos perseguem, se os perseguimos, mas não paramos de os encontrar. Os ecrãs Samsung levitam, à espera da menina dos sonhos, à espera do sonho. Os ecrãs são o lugar por onde passa o sonho, o lugar do sonho. O resto é animação, engenho e arte.
Marca: Samsung. Título: Holiday Dreams. Agência: R/GA. Direcção: Ben Steiger Levine & Martin Allais. USA, Dezembro 2014.
Inovação, técnica e estética
A técnica não sossega. Os televisores Sony Bravia 4K ultrapassaram os limites do HD. A imagem 4K tem praticamente o dobro de pixels da imagem HD. Vale a pena ver: 1) aceda ao anúncio Ice Bubbles in 4K; 2) nas definições, seleccione a opção 2160p 4K (nem todos os equipamentos têm esta opção).
A Sony escolhe a estética para ilustrar a técnica. Não é a primeira vez. A estética encerra potencialidades de comunicação ímpares. Temos, assim, um belo anúncio sobre uma boa técnica. É uma maravilha ver cristais de gelo a formar-se em bolas de sabão, que acabam por se transformar em bolas de gelo.
Marca: Sony. Título: Ice Bubbles in 4K. Agência: Adam & Eve / DDB London. Direção: Leila & Damien De Blinkk. UK, Outubro 2014.