Fonte da fotografia: SRM University, Ramapuram Campus. Índia.
A homenagem acabou. Depois da vaidade a vanitas.
Os anjos são eternos. Por isso não lhes cresce a barba. Contudo, nos cemitérios, o tempo, o abandono e a natureza dão vida e corpo à dor eterna da pedra: cobrindo-a com pele oxidada e pelos de musgo.
Para acompanhar a presente galeria com fotografias de esculturas tumulares “embelhecidas” (para escrever à Mia Couto), acrescento as músicas By the Sea, Depart e Eternity Theme, da compositora grega Eleni Karaindrou.
Eleni Karaindrou. By The Sea / Depart / Eternity Theme. Eternity and a Day. Versão: Uzun. Concerto em Istambul, 2012.
Galeria de fotografias: esculturas tumulares expostas ao tempo e à natureza
01. Albert Bartholomé. Baigneuse recroquevillée. Bronze dourado.
Somos pequeninos. E tanto amamos e sofremos.
Estou a reescrever o capítulo “Mortos Interativos, para o livro A Morte na Arte, e a preparar uma conversa (“Coisas do outro mundo: esculturas tumulares e visões noturnas”) para o dia 21 de outubro, na Casa da Cultura, em Melgaço, no âmbito do programa da Noite dos Medos que culmina no sábado, 29 de outubro. Nas minhas viagens internáuticas deparei-me em vários cemitérios com obras de um mesmo escultor: Albert Bartholomé. O que me permite retomar uma prática que tenho descuidado nos últimos tempos: a apresentação de obras e autores menos conhecidos que estimo dignos de apreço e reconhecimento por parte dos amigos do Tendências do Imaginário. Assim sucedeu com artistas mais antigos, tais como Jamnitzer, Stoer, Braccelli, Bronzino, Desprez, Callot ou Corradini, e mais recentes, tais como Nussbaum, Portinari, Vigeland, Folon ou António Pedro.
03. A. Bartholomé. A esposa do artista (Périe, 1849–1887). Lendo.04. A. Bartholomé. O pão. Fonte Catherine La Rose05. A. Bartholomé. A Leitura. Fonte Catherine La Rose06. A. Bartholomé. Na serra. 1881. Fonte Catherine La Rose07. A. Bartholomé. Menina de pé com a mão estendida pedindo caridade. 1881.08. A. Bartholomé. Colheita. Fonte Catherine La Rose (3)
Albert Bartholomé (1848-1928), francês, foi pintor até aos 39 anos (figuras 3 a 8). A morte prematura da esposa, a aristocrata Prospérie de Fleury, grávida, em 1877, altera a sua vida. Abandona a pintura, mas, a conselho de Edgar Degas, converte-se à escultura, sobretudo funerária. Numa das primeiras obras, o túmulo da esposa (figuras 9 e 10), debruça-se sobre o corpo feminino num último adeus, um instante eterno que firma uma ligação e um compromisso sofridos [contraiu um segundo matrimónio em 1901 (figura 40)].
09. Albert Bartholomé. Por Charles Giron. 1901.
Escultor conceituado, Albert Bartholomé obteve o grande prémio de escultura da Exposição Universal de 1900. Boa parte das suas esculturas são imagens de dor, nuas, de uma nudez pura e sensível, senão sensual. De certa forma, um Degas da escultura, mas com as pregas vaporosas do bailado da vida a serem substituídas pelas curvas lisas do recolhimento e do silêncio da morte.
Figuras 9 e 10. Escultura do túmulo da esposa, frente à igreja de Bouillant, perto de Crépy-en-Vallois. França.
O Monumento aos Mortos no Cemitério do Père Lachaise, inaugurado em 1899, é a sua obra mais monumental. Apelidava-a de Porta do Além. Curvados mas inconformados em vida, os seres humanos acabam por se erguer à entrada da “porta da noite eterna”. Na parte inferior, um casal jaz, inseparável, sob o olhar do “espírito da vida e da luz” (figuras 11 a 16).
Figuras 11 a 16: Albert Bartholomé. Momumento aos Mortos. Cemitério do Père Lachaise.
Notáveis são também as carpideiras (pleureuses, mournings), designadamente a Douleur do cemitério de Montmartre. Inconsoláveis e reservadas, com o corpo parcialmente coberto por um manto e a cara tapada pelas mãos, resultam alheadas e mergulhadas numa espécie de limbo. Distinguem-se, não obstante, das carpideiras habituais, vultos fechados, focados no luto e na lamentação, quase incorpóreos, que lembram “fantasmas de vivos” (figuras 17 a 21).
Figuras 17 a 21. Exemplos de carpideiras.
Todas estas esculturas parecem inscrever-se num limiar, mas as de Bertholomé situam-se menos entre dois mundos, dos vivos e dos mortos, e mais num e noutro mundos, associadas e expostas a ambos (figuras 22 a 25).
Figuras 22 a 25. Albert Bartholomé. Esculturas seminuas de lamento e dor.
Particularmente impressionantes e inspiradoras manifestam-se as esculturas com nus integrais. Mulheres com rosto oculto por véus, pelas mãos ou pela posição, maioritariamente dobradas e encolhidas, em posição de autoproteção mas vulneráveis, aproximam-se de uma posição fetal. Convocam Eros e Thanatos, numa implosão de dor (figuras 26 a 35).
Figuras 26 a 36. Albert Bartholomé. Esculturas de nus femininos.
Despojadas e expostas, contrastam com as carpideiras ocultas por mantos e véus. A escultura O Sonho (figuras 35 e 36) deita-se como um caso à parte: nua, estendida, a mulher jaz sobre uma lápide, serena, como que entregue ao destino, num despojamento e abandono absolutos e sublimes (o pormenor do colar de pérolas concorre para acentuar a nudez).
Figuras 37 a 40. Outras esculturas de Albert Bartholomé.
As esculturas de Albert Bartholomé insinuam-se como fonte de inspiração para artistas e obras posteriores. Oferecem-se como sementes que germinam em cemitérios dispersos por todo o mundo (e.g. figuras 41 a 45).
Figuras 41 a 45. Esculturas tumulares semelhantes às de Albert Bortholomé.
Este artigo proporcionou-se demasiado extenso. Menos pelo texto e mais pelas imagens. Mesmo assim, não queria terminar sem acrescentar uma música a condizer. Claude Debussy e Maurice Ravel prestam-se. Por exemplo, Clair de Lune, de Debussy. Mas para atenuar a melancolia, em vez do original, opto pela versão jazz de Kamasi Washington.
Kamasi Washington. Clair de Lune. Compositor: Claude Debussy. The Epic. 2015.
A um morto nada se recusa? Depende. Depende do vento. A língua portuguesa é exímia em exprimir a dor. Pede sábios e poetas. Segue um poema de Mário de Sá-Carneiro (1916) e um poema de Florbela Espanca (publicado em 1931), ambos musicados e interpretados pelos Trovante.
Trovante. Fim (Quando eu morrer). Terra Firme. 1987.
01. Mourning women in the tomb of Vizier Ramose, Amarna period. Photo VB.
Existem várias formas de lamentar a morte. Desde a encenação dramática da dor (Figura 1) até ao recolhimento íntimo do sofrimento. Nas figuras 2 a 7, o manto e o véu cobrem quase todo o corpo, incluindo o rosto. Mas se ocultam a dor, também a manifestam. A intensidade do sofrimento imprime-se, precisamente, nas dobras, nas muitas dobras, dos mantos e dos véus. Configuram uma espécie de sismógrafos da agonia. Antes de Bernini, no túmulo de Filipe o Audaz, e depois de Bernini, nas esculturas dos cemitérios europeus, os mantos choram por si.
BERNINI, Gian Lorenzo (b. 1598, Napoli, d. 1680, Roma) Beata Ludovica Albertoni 1671-74 Marble Cappella Altieri, San Francesco a Ripa, Rome One of the last sculptures made by Bernini and it can be considered as exceptional since in this late period his sculptures were executed by his coworkers after his design. Ludovica (died in 1533) was beatified in 1671 and the sculptor was commissioned by Cardinal Albertoni to make a sculpture for commemorating the event. The sculpture of the dying Ludovica is placed above the altar of the chapel where she had been buried in the sixteenth century. The scene is rather theatrical with the lighting coming from a hidden window above the left of her head. The effect of light is multiplied by the decorative carpet dividing the dying from the believers. On her face, the pain of the suffering and the heavenly happiness are simultaneously present resulting in an extraordinary effect. — Keywords: ————– Author: BERNINI, Gian Lorenzo Title: Beata Ludovica Albertoni Time-line: 1601-1650 School: Italian Form: sculpture Type: religious
A fibromialgia é uma doença associada a dores persistentes que desgastam a vida das pessoas. A passo de tartaruga, os organismos oficiais têm vindo a reconhecê-la. Espero que a ciência e a medicina, pejadas de sucessos, esbocem também alguns progressos ao nível desta doença tão carente de cuidado e acompanhamento. Não são rosas, Senhor! São espinhos…
Este pequeno anúncio é um grande desafio. Será que remete para a física do judo? Quando o judoca cai bate com o braço no chão com o objetivo de aumentar a área de impacto e diminuir a sensação de dor. Não parece! Pensando bem é uma nova pedagogia de choque, daquelas que aumentam os resultados e diminuem os custos.
Marca: Saridon. Título: Pound. Agência: BBDO Guerrero. Filipinas, Junho 2012. Leão de Bronze em Cannes.