A Leiteira, DALL-E e Vermeer

Dall-E é uma nova aplicação capaz de alterar ou expandir autonomamente quadros. A Nestlé ilustra-a aplicando-a no anúncio Outpainting, com um belo efeito, à célebre pintura de Johannes Vermeer: A Leiteira (c. 1660). Maravilhas das sempre novas tecnologias!
“Quem disse que os robôs não têm imaginação? DALL-E [bem batizado: WALL-E + Dali] representa a inteligência artificial que adquirirá certamente importância no futuro. Já tinha deslumbrado os internautas quando foi lançado ao produzir imagens de incrível precisão e beleza artística. Mas o tempo passa e as ideias avançam! DALL-E decidiu expandir seu campo de atuação, para deleite dos curiosos e das vanguardas!
Até agora, o princípio era o seguinte. Esta inteligência artificial baseia-se no estudo de milhares de obras já existentes para poder criar novas imagens a partir de instruções textuais. Os resultados, muito estéticos e coerentes, já ofereciam uma renderização digna dos melhores pintores.
Desta vez, DALL-E regressa com um recurso completamente novo que talvez abale a criação digital contemporânea. Intitulada “Outpainting”, esta funcionalidade permite adicionar elementos dentro de uma imagem. É a inteligência artificial que imaginará por si mesma os elementos a adicionar. Este poder criativo dota-a de uma grande liberdade que pode conduzir a resultados inusitados e poéticos! O ambiente inicial da obra é assim transformado ou embelezado com um novo visual. E ainda não é tudo! Pensa que as performances incríveis desta inteligência artificial se limitam a pinturas de grandes pintores? Pois não. Este recurso também deve funcionar para fotografias. Este software pode ser uma ajuda substancial de edição.” (Arts in the City, DALL-E: a inteligência artificial que pinta imagens misteriosas: https://www.arts-in-the-city.com/2022/09/08/dall-e-lintelligence-artificielle-qui-peint-des-tableaux-mysterieux/. Consultado em 17.09.2022).
Geração e criação

Um filho gera-se, não se cria (inspirado em C.S. Lewis: “uma pessoa gera um filho, mas cria uma estátua” – Cristianismo puro e simples, Vida Melhor Editores, 2017, p. 211)
Sociólogo da arte, da cultura e dos estilos de vida, interesso-me pelos gostos partilhados pelas pelos indivíduos, na senda de autores tais como Norbert Elias, Erwin Panofsky, Howard S. Becker, Paul-Henry Chombart de Lauwe, Roland Barthes, Jean Duvignaud, Umberto Eco, Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu e Bernard Cathelat.


Ensaiar acertar no gosto desta ou daquela pessoa é um dos meus desportos favoritos. Mas nem sempre é óbvio. Existem, porém, aves especiais. Oferecer-lhes algo que apreciem é um desafio. Dedico estas duas músicas, da compositora inglesa Imogen Holst (1907-1984) e do compositor japonês Tôru Takemitsu (1930-1996), a uma dessas raras aves do paraíso.
Oxalá e Nanã
“Por conta das velhas de terracota e da morte grávida: Imagem de Oxalá e de Nanã”
Gosto do comentário de Ana Rita Ferraz ao artigo O riso da velha Grávida. Ana Rita é professora na Universidade Federal de Feira de Santana – UEFS, actriz e dramaturga. Trocamos ideias em torno do grotesco.
Ana Rita Ferraz chama a atenção para uma crença corporizada em rituais afro-brasileiros:
“Conta-se que Olorum, o criador, chamou Oxalá e lhe deu uma tarefa: deveria criar a humanidade. Oxalá coçou a cabeça pois não sabia como fazer. Então, pegou o vento e começou a trabalhar nele tentando uma forma; em vão. Com o fogo também não teve sucesso. Tão pouco com as águas. Já estava desanimado quando Icu, também conhecida como Nanã, a morte, senhora que vive nas águas lamacentas, perguntou-lhe porque não fazia os seres encomendados de lama. Oxalá aceitou. Nanã desceu lá no fundo das águas e lhe trouxe um punhado de lama. Sentaram-se e começaram a esculpir criaturas. Assim foi que Oxalá, o que é pai, e Nanã deram por cumprida a tarefa dada por Olorum.
Este é um mito africano. Nanã, ou Icu, é representada com gravetos no colo, que simbolizam seus filhos. Acho lindo pensar que temos como mãe a morte.
Veja a canção CORDEIRO DE NANÃ , quase um acalanto” (Ana Rita Ferraz).
Mateus Aleluia e Thalma de Freitas – Cordeiro de Nanã | Compacto Petrobras.
“Como oxalá é pai, aqui em Salvador, não apenas o povo das religiões de matriz africana, costuma vestir roupas brancas, especialmente às sextas-feiras” (Ana Rita Ferraz). Segue um vídeo sobre o culto a Oxalá. Para terminar, a música Meu Pai Oxalá, interpretada pela banda Moinho, da autoria de Vinicius de Moraes e Toquinho, mas inspirada no candomblé.
Vitalidade
Este anúncio, Construye, da FAD (Fondación de Ayuda contra la Drogadicción), configura um chamamento. Dispensa focalizar-se no resgate de almas perdidas em comboios fantasmas ou em resorts do inferno. Apela à vitalidade criativa e ao reconforto pessoal. Create / construye, eis o lema. Afinal, é possível consciencializar sem condenar. Um anúncio exemplar.
Anunciante: FAD (Fondación de Ayuda conta la Drogadicción). Título: Construye/Create. Agência: Publicis. Espanha, Março 2015.
No princípio era o verbo, agora é a roda
Quando um realizador do cinema dirige um anúncio publicitário a expectativa é elevada. Aconteceu com Martin Scorcese, David Lynch, Michel Gondry… Agora, é a vez de Gus van Sant. Para a BMW. São três anúncios com traça original num sector em que é difícil inovar.
Genesis: no princípio era o verbo. Nestes anúncios, o principal é o verbo. Textos semelhantes distintamente repetidos por pessoas distintas. No princípio, era o verbo: aconteceu o impossível, do nada se fez tudo. Deus era o arquitecto. Agora, é a vez do automóvel, faz-se o possível, ou seja, quase o impossível. Deus não é o arquitecto, mas… Estes anúncios são uma surpresa, mas uma surpresa no quadro de uma expectativa: ciclicamente, o segmento automóvel brinda-nos com o melhor da publicidade.
Marca: BMW i8. Título: Genesis. Agência: Serviceplan International. Direção: Gus van Sant. Alemanha, Maio 2014.
Marca: BMW i8. Título: Attitude. Agência: Serviceplan International. Direção: Gus van Sant. Alemanha, Maio 2014.
Marca: BMW i8. Título: Powerful Idea. Agência: Serviceplan International. Direção: Gus van Sant. Alemanha, Maio 2014.
Pontos e Pontes
Com poucos pontos, poucas linhas e poucas letras se resume o essencial da condução de um projecto. Há banquetes de palavras que nem um ponto, nem uma linha, nem uma letra conseguem esboçar. Recomendo este vídeo a quem esteja a elaborar um projecto de investigação ou de intervenção. Uma pequena confidência de bastidores: sinto o fantasma de Jacques Prévert a pairar em cada ponto, linha ou letra deste vídeo. Não há como ler o poema “Comment Peindre un Oiseau” e comparar. Deve ser isto o tal benchmarking.
Marca: Apple. Título: Designed by Apple in California. Agência: TBWA/Media Arts Lab. Direção: Buck. EUA, Junho 2013.