O pacifismo das coxas de frango

Nada supera uma coxa de frango! Nem sequer as de Hollywood. Conciliam inimigos, protegem os fracos, resgatam os vencidos, evitam a guerra e impedem o pecado original. Artes mágicas numa viagem no tempo de um homem banal. A ser verdade, a coxa de frango merece o prémio Nobel da paz ou, no mínimo, o rótulo da Chicken Licken.
Os drones e a protecção dos animais
Belo e inteligente. O propósito é claro: recorrer aos drones para vigiar os caçadores furtivos de África. O crescimento dos meios de vigilância também tem virtudes.
Anunciante: Over & Above Africa. Título: A Guardian. Agência: Giant Films. Direcção: Sam Coleman. Criativo: Andy Fackrell. África do Sul, Outubro 2018.
Matar o vício
Existem realidades que escapam ao meu entendimento. Suspendem-me no vazio, com os pés junto às brasas. “Roubam-me Deus / Outros o diabo / Quem cantarei (José Afonso, Epígrafe Para A Arte de Furtar, 1970). Não há vício que resista à campanha Get Rid of Your Old Self, da revista masculina Men’s Health. Quando o outro interior nos mata, de que morte se trata? Do alívio da eutanásia, do desprendimento do suicídio ou da promiscuidade do extermínio? Quem aponta a metralhadora e prime o gatilho? O exército de salvação, o Doutor Mabuse, o superego ou a razão cidadã? É apenas uma campanha simbólica. Nada mais potente, nada mais lamacento, do que o simbólico. Virar o outro contra si mesmo, transformá-lo numa besta a abater, releva de uma tentação humana arcaica. Pois que se armem os puros de espírito, não com uma metralhadora, mas com um espelho! Caçar os vulneráveis é coragem típica dos eunucos e dos cobradores de palavras.
José Afonso. Os Eunucos (No Reino da Etiópia). Traz Outro Amigo Também. 1970.
Men’s Health é a revista masculina com maior audiência na África do Sul. Para comemorar o vigésimo aniversário, promove uma campanha subordinada os lema “Livre-se do seu antigo eu”. Encomendou os vídeos a quatro realizadores. Partindo do mesmo conceito, cada realizador produziu um vídeo com a sua assinatura. Importava reforçar alguns princípios da revista:
“That’s two decades of helping the everyday man be better. Becoming the best version of yourself can be a daunting task. It takes courage.
We wanted to celebrate this milestone and recognise men who, over the years, have risen to the challenge. So we tasked four directors with exploring the idea of getting rid of your old self. The result was the same story told in four different ways and four very different short films” (Men’s Health).
Admito alguma insensata alergia a esta glosa do bem para conversão higienista do mal, do outro. Não tanto pelo princípio, nem pelo meio, nem pelo fim, mas pela respectiva pegada histórica. Uma pegada funesta. Se alguém me pedir para confeccionar uma salada de fanáticos, rego-a com este molho de purga do próximo. Respeito a misericórdia e a piedade, são virtudes veneráveis, apenas me molestam os profetas e os messias da normalização e da rectificação do humano, obstinadamente demasiado humano.
José Afonso. Epígrafe para a arte de furtar. Traz Outro Amigo Também. 1970.
Os quatro anúncios perfilham um conceito claro e a realização mostra-se primorosa. O limbo sobressai como atmosfera. O ritmo oscila entre a imobilidade e a passagem. A narrativa é imprecisa. Num clima claustrofóbico, sufoca-se à espera da luz, do resgate, da libertação do velho eu.
Enquanto escrevia estas linhas, ocorreram-me duas canções do José Afonso, do mesmo álbum (Traz outro amigo também, 1970). intercalo-as no texto, antes dos vídeos.
Enfim, estou constipado. Fico azedo e má companhia. Peço, desde já, desculpa à Men’s Heath por eventuais exageros e mal entendidos. Acontece-me insistir em bater no ceguinho. Se sou contra a ajuda a pessoas com problemas de álcool, obesidade ou tabaco? Se puder ajudar alguém, ajudo; se puder contribuir para uma associação honesta, contribuo; não vou tocar o sino da igreja.
Marca: Men’s Health. Título: Peanuts. Agência: Mullen Lowe. Direcção: SJ Myeza Mhlambi. África do Sul, Maio2018.
Marca: Men’s Health. Título: The Arrival. Agência: Mullen Lowe. Direcção: Lourens van Rensburg. África do Sul, Maio 2018.
Marca: Men’s Health. Título: The Deser. Agência: Mullen Lowe. Direcção: Shane Knock. África do Sul, Maio 2018.
Marca: Men’s Health. Título: The Surgeon. Agência: Mullen Lowe. Direcção: Dirk van Niekerk. África do Sul, Maio 2018.
Malmequer
Desfolhar anúncios publicitários como quem desfolha um malmequer.
Gosto! Anúncio com humor fantástico centrado no tema da luz. A morte que precede a lâmpada Ocedel tem tanto de catastrófico como de risonho e promissor. O anúncio progride sob o signo do amor e da esperança. A figura do homem vaga-lume é luminosa.
Marca: Ocedel. Título: Firefly Man. Agência: Nitto Tokio. Japão, Dezembro 2015.
Não gosto! Anúncio bem concebido e bem realizado, centrado na interacção trágica entre o amor e a morte. Nem sequer falta o “beijo da morte”! A morte é medonha, fatal, e a vida pecadora e frágil. Após décadas de planalto, vislumbram-se montanhas de medo. O medo propaga-se nas nossas sociedades. Porventura, mais do que a liquidez, as condutas de risco e o tribalismo. Não aprecio a educação pelo medo. Já há medo quanto baste! Livrai-nos de sociedades assustadas!
Anunciante: Western Cape Government. Título: The First Kiss. Agência: Y&R Capetown. África do Sul, Março 2016.
O quinto cavaleiro do Apocalipse
Sábado, tenho uma comunicação em Coimbra sobre as danças da morte medievais e as imagens das embalagens de tabaco actuais. Percorri o ferro velho anti tabaco. Encontrei, entre outros, estes dois anúncios
Odeia alguém? Encoraje-o a fumar. Fumar mata! Aguente o fardo até que o fumo faça efeito. Qual é a moral?
Marca: The Anti Smoking Society. Título: Couple. Agência: Mountainview. Reino Unido, 2000.
Os fumadores caem aos molhos que nem tordos. Acidente? Predestinação? Justiça? Fumar mata. Avulso ou por atacado. Qual é a moral?
Marca: Smokenders. Título: Balcony. Agência: McCann Erickson Johannesburg. África do Sul, 2003.
Pecado mundial
“OMS declara salsichas e enchidos tão cancerígenos como o tabaco”, eis o título da notícia no jornal Expresso de 26.10.2015 (http://expresso.sapo.pt/dossies/diario/2015-10-26-OMS-declara-salsichas-e-enchidos-tao-cancerigenos-como-o-tabaco). “Segundo documento, 50 gramas de carne processada por dia, o equivalente a duas fatias de bacon, aumentam a chance de desenvolver câncer colorretal em 18%” (http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/151026_carne_cancer_oms_fn).
Vamos trocar a aparência dos números. Porque os números também falam!
“Existem 42 152 novos casos de cancro colo-rectal estimados em 2013 em França metropolitana (23 226 homens e 18 926 mulheres). A taxa de incidência, normalizada, em 2012 é igual a 38,4 por 100 000 homens e 23,7 por 100 000 mulheres” (http://www.e-cancer.fr/Professionnels-de-sante/Les-chiffres-du-cancer-en-France/Epidemiologie-des-cancers). Seja, 0,000384 e 0,000237, respetivamente. Aplicando o aumento de 18% ao exemplo francês, a incidência sobe, nos homens, de 0,000384 para 0,000453 e, nas mulheres, de 0,000237 para 0,000280. Uma diferença muito inferior a um para 10 000: 0,000069 e 0,000043. Espero não me ter enganado nas contas.
Nos nossos dias, grassa uma obsessão pela alimentação. Alimentação pela boca, pelos ouvidos e pelos olhos. Sais de fruto, para sempre! Certo é que tanto adoramos a alimentação como a tememos.
Ao nível do planeta, especialmente em África, o mais preocupante é a falta de alimentação. A fome. Segundo a FAO (The State of Food Insecurity in the World: http://www.fao.org/3/a-i4030e.pdf), em 2012-2014, havia 803 milhões de pessoas subnutridas, ou seja, 11,3% da população mundial.
Morram as salcichas, pim! Morram os enchidos, pum! Viva a música, pim, pam, pum! Ave Mundi, pam!
Dissonâncias
“Neste limbo de indefinição tudo é possível, em particular recompor e contrabandear realidades. Resultam, assim, procedimentos correntes a aproximação de entidades distantes (por exemplo, humanos com cabeças de animais) ou a deslocação de objectos de uma ordem de realidade para outra, proporcionando, deste modo, combinações ou cotejos insólitos” (Albertino Gonçalves, O Delírio da Disformidade. O corpo no imaginário grotesco.pdf).
As dissonâncias provocam riso ou medo. Às vezes, riso e medo. São aberrações. Para ilustrar o modo como a parte (uma peça não genuína) pode alterar o todo, a Land Rover recorre a uma campanha baseada em dissonâncias óbvias e breves: um leão a cantar de galo, um crocodilo a latir e uma águia a balir.
Marca: Land Rover. Título: Genuine Parts – Lion. Agência: Y&R Johannesburg. África do Sul, Junho 2015.
Marca: Land Rover. Título: Genuine Parts – Croc. Agência: Y&R Johannesburg. África do Sul, Junho 2015.
Marca: Land Rover. Título: Genuine Parts – Eagle. Agência: Y&R Johannesburg. África do Sul, Junho 2015.
Contratempo
Uma mãe com HIV positivo expõe, sem parar, o bebé às sensações do mundo envolvente. Enquanto é tempo. Presente a presente, bênção a bênção, soma stress e desespero.
“Thank you for watching our Orange Babies’ advert. There’s no reason for another baby to be born with HIV. With the right treatment, education and support the mother-to-child transmission of HIV rate is less than 1.7%. With your donation, Orange Babies can help more children experience the wonder of a very ordinary life. Orange Babies is a Dutch NGO that is dedicated to help pregnant women with HIV and their babies in Africa” (Orange Babies).
Anunciante: Orange Babies. Título: Borrowed Time. Agência: Quirk. Direcção: Cindy Lee. África do Sul, Março 2015.