O estádio do respiro
Estou a passar uma fase em que a oralidade e a interação presencial se sobrepõem à escrita. Muitas comunicações, algumas a pedir preparação. Por exemplo, sexta, dia 18, cumpre-me a abertura da Conferência Internacional “We Must Take Action #3 O Ensino Artístico no Desenho do Futuro da Arte, na XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Não é óbvio nem dá para improvisar. Para inspiração recorro à música, também pouco óbvia. Por exemplo, da cantora e compositora francesa Camille (Dalmais).
Tive um professor, Jean-Louis Tristani, sociólogo e psicanalista, que, para além dos estádios oral e anal descobertos por Freud, inventou o estádio do respiro em que o desejo e o prazer se centram no aparelho respiratório (Le stade du respir, Paris, Éd. de Minuit, 1978). Pois a música de Camille lembra-me o estádio de respiro de Jean-Louis Tristani.
Seguem quatro canções de Camille: Home is where it hurts; Gospel with no Lord; Waves; e Ta Douleur.
A Rebelião dos Gatos e a Reincarnação dos Pássaros
Os gatos declaram guerra às novas tecnologias de comunicação. Mas estão condenados ao insucesso. As novas tecnologias de comunicação são imortais, recicláveis. As ideias, também! Tenho uma leve suspeita de que o anúncio Sorry Cats, da Back Market, se inspira no filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. Junto o anúncio Sorry Cats, assim como o trailer de Os Pássaros e a sequência da cabine telefónica.
Primeiro os amigos
Existem mundos onde predominam as encostas. Os seus membros encostam-se uns aos outros formando montículos dispostos em redes de dependência pessoal. Quem não se encosta nem é encosto candidata-se ao papel de mosquito numa teia de aranha. A autonomia definha como uma quimera, um gesto raro e caro. Seguem quatro canções francesas sobre a parceria (os comparsas) e a diferença (os marginais).
Anúncios de bolso
Com poucas imagens se ilustra muito. Publicidade vintage.
Para aceder ao segundo anúncio, carregar na imagem seguinte.
Estigma capilar
Proveniente da Alemanha, país que tendemos a associar alguma contenção e ponderação, o anúncio “Hans”, da empresa de cabeleireiros Headhunter, excede-se. Propõe uma paródia ousada, senão atrevida, de uma realidade sensível: as campanhas de consciencialização para a inclusão de crianças com deficiência. Num aspeto o anúncio não deixa de estar certo: os cabelos podem funcionar como estigma, contagiando e desvalorizando a pessoa no seu todo. Recorde-se que, no final da Segunda Grande Guerra, nos dias imediatos à libertação da França, a população rapou o cabelo aos “colaboracionistas” com o regime nazi, expondo-os em cortejos degradantes (ver Violência e Humilhação: https://tendimag.com/2016/01/14/violencia-e-humilhacao/).
Melancolia e inconformismo
Existem cantores que são mais do que intérpretes. São artistas, compositores, poetas e, em particular, personalidades marcantes que dão voz e alma a uma maneira de estar no mundo. Alguns acrescentam, ainda, a cereja da rebeldia e da controvérsia: Bob Dylan, Jim Morrison, Jacques Brel, Georges Brassens, Victor Jara, Zeca Afonso… O “anarquista” Léo Ferré é um caso único. É estereofónico: num canal, solidão, melancolia, memória e desencanto; simultaneamente, no outro, inconformismo, garra, potência e renovação. Sintonizados. Um bálsamo. Uma dose certa para os momentos certos.
Engana-se quem pense que posts como este são meros monólogos digitais, pingos artificiais num ecrã para um público imaterial. Circunstanciais e dialógicos, substantivos e performativos, reação e interlocução, interpelam “outros significativos”. “apostrofados”, em condição de os decifrar e, porventura, sentir. São parte e partilha de vida. Um combustível do blogue.
O Tendências do Imaginário já contempla as canções Avec le Temps, Solitude e C’est Extra, de Léo Ferré. Acrescento La Mélancolie, La Mémoire et la Mer e Requiem.
Voar sem dar cabeçadas no céu
Gosto do artista belga Jean-Michel Folon (ilustrador, pintor e escultor, 1934-2005). Também gosto do cantor francês Yves Duteil. Gosto de ouvir Duteil a cantar Folon. Sam ambos criativos, joviais, sensíveis e ternurentos. Apraz-me recuperar dois pequenos vídeos com gravuras de Folon: Comme Dans Les Dessins de Folon, de Yves Duteil; e Levitar, que montei em 2013, com a música Emmanuel, de Michel Colombier.
Samba digestivo
Habituamo-nos ao protagonismo do samba na publicidade, por exemplo nos anúncios ao futebol. Mas ao trânsito digestivo!…
A Ave, o casal e a lápide
Prometi, há dois meses, colocar o capítulo “A ave, o casal e a lápide: as esculturas da porta da igreja de São João Baptista de Lamas de Mouro” logo após o lançamento do livro Uma paisagem dita casa, de João Gigante, integrado no programa Quem somos os que aqui estamos?, do MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço. Aconteceu ontem.
Tenho vindo a afastar-me da nobre missão de facultar ciência. Contento-me com namorar o conhecimento. A autoridade da lição e do relatório cede à desenvoltura da poesia, do conto ou da comédia. Entrego-me ao gozo da descoberta e da escrita e aposto no prazer do eventual leitor. Sem lonjuras nem distâncias, próximo das realidades e dos públicos. “A ave, o casal e a lápide” presta-se a ser lido como um romance policial. Nem sequer foi preciso reordenar as etapas da pesquisa. O texto espelha o percurso efetivo. Constitui um exemplo de investigação tal como sucede. Confesso algum carinho por estas páginas: não pretendem desvendar a realidade, mas acrescentar e valorizar; não contabilizam, satisfazem.
Segue o capítulo “A ave, o casal e a lápide: as esculturas da porta da igreja de São João Baptista de Lamas de Mouro”, in Gigante, João, Uma paisagem dita casa, Ao Norte, 2022, pp. 124-139. Acresce a reportagem da visita, em 2021, do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao MDOC.