O hambúrguer de Andy Warhol

O banquete é uma actividade cultural pródiga em símbolos. Ver uma celebridade comer só, sem mais ninguém, pode ser uma concelebração: um comensal comido por milhares de olhos. Por exemplo, Salvador Dali a comer chocolate da marca Lanvin (1968: ver https://tendimag.com/2012/06/21/o-artista-vai-a-publicidade-salvador-dali/) e Andy Warhol a ingerir um hambúrguer da Burger king em cerca de cinco minutos (1981). Há repastos que se reciclam. A Burger King retoma a performance de Andy Warhol e coloca-a no Super Bowl de 2019. A história repete-se, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” (Karl Marx, O 18 Brumário de Luis Bonaparte, 1852). A história “repete-se” em espiral. Resgatar celebridades é uma tentação. Mas o original e a cópia não coincidem. Andy Warhol faleceu em 1987. No anúncio de 1981, um vivo come um hambúrguer ; em 2019, não deixa de ser um morto a comer um hambúrguer. Não é a mesma coisa, pois não? Os média são antropófagos ou necrófilos? Mergulham num tempo confuso, onde tudo se baralha. “O morto agarra o vivo” (Karl Marx, prefácio à primeira edição do Livro I do Capital, 1867) e o vivo agarra o morto.
Seguem os dois anúncios da Burger King com Andy Warhol. O atual, #EatLikeAndy, e o de 1981, Andy Warhol eating a hamburger. Excetuando o título e o texto, são iguais!
As transgressões das fronteiras tênues entre o trivial, a arte e o marketing servem para quebrar o marasmo das nossas vidinhas ordinárias. Isso o Andy fazia bem com sua pop art, vendendo até o mau gosto como mercadoria enlatada — sem deixar de ser arte.
Bem observado a relevância do lapso temporal entre 1981 e 2019. A eterna repetição (“o primeiro cara que comparou uma mulher com uma flor foi um galante, o segundo um piegas”) demonstra que um mesmo objeto em tempos diferentes ganha uma conotação diferente. É como o conto-ensaio de Borges, “Pierre Menard, Autor de Quixote”.