A crise que a pague quem não pode!

O Zé dos Votos deu ouvidos ao Zé dos Tostões: a crise que a pague quem não a pode pagar. Este é o mais recente ovo de Colombo descoberto pelas elites nacionais! Na reunião do Conselho Permanente da Concertação Social, do dia 24 de Setembro, “o primeiro-ministro afirmou que levava da reunião a necessidade de alargar o esforço a todos. E foi isso que afirmou à saída: a contribuição também do capital e do património, de “impostos directos” e do “esforço que já estava pensado para o reescalonamento do IRS”, afirmou. Aumentar ou reduzir o IVA está fora de questão. A tributação sobre o tabaco irá subir.” (jornal Público, 25.09.2012, pág. 3).

Lucky Luke. Versão original

“A tributação sobre o tabaco irá subir”. Qual é a situação atual? “Portugal tem uma das mais elevadas incidências fiscais totais sobre os cigarros na UE-15 e um dos níveis de preços relativos dos cigarros (considerando as disparidades de poder de compra) mais oneroso da UE-15 – para que se perceba, na compra de um maço de tabaco, 80% reverte para impostos” (http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO038508.html, acedido 25.09.2012). A fazer fé nesta informação, quem consumir um maço de tabaco por dia está a depositar, ao preço atual, 1 139 euros, por ano, nos cofres do Estado. Um bom subsídio de férias!

“A tributação sobre o tabaco irá subir”. Houve tempos em que era possível acreditar que este tipo de medida comportava virtudes preventivas. Por exemplo, diminuir as doenças pulmonares obstrutivas crónicas. Desta vez, torna-se impossível sustentar tal pretenção. A nova tributação sobre o tabaco é um imposto destinado a combater o défice. Sem eufemismos.

Não se cobram impostos a coisas. Elas não pagam. Até agora, só se tem cobrado impostos a pessoas. Assim é com a tributação sobre o tabaco; é cobrada a pessoas. Estamos confrontados com um imposto que incide sobre uma categoria determinada de portugueses, os fumadores de tabaco, cuja composição social é conhecida (ver: http://tendimag.com/2012/09/24/os-fumadores-que-paguem-a-crise/). Que atributos económicos, sociais e culturais distinguem os fumadores que justifiquem esta sobrecarga fiscal? Não há argumentos racionais aceitáveis. Pelo menos, num país democrático. Só morais, no pior sentido, e políticos, quando a justeza deixa de ser critério. Trata-se de uma medida arbitrariamente discriminatória. Poderia ter calhado às mulheres, aos homossexuais, aos ciganos, aos alcoólicos, aos ciclistas, aos bebedores de café, aos funcionários públicos… Não, desta vez, são aos fumadores. Indexa, taxa e, com a respetiva moral nas entrelinhas, estigmatiza. Soma e segue.

Lucky Luke. Versão atual

Sendo esta tributação ostensivamente discriminatória, não configura um caso inequívoco de iniquidade fiscal? Pelo menos, nos termos do parecer do Tribunal Constitucional. Não será um esforço fiscal excessivo no combate ao défice pedido a uma categoria particular de portugueses? Não se estará a ferir o princípio da igualdade perante a Lei? A não ser que, como na quinta de George Orwell, alguns portugueses sejam mais iguais que outros…

“ A entrada de tabaco no mercado português baixou 11 por cento entre 2007 e 2009, o que pode ser um “indicador indireto” da diminuição do consumo, disse à Lusa Mário Carreira, da Direcção Geral da Saúde (DGS) (http://www1.ionline.pt/conteudo/54639-consumo-tabaco-baixou-em-portugal, publicado em 09 de Abril de 2010). Se, ao menos, a subida da tributação sobre o tabaco diminuísse o consumo!… Mas não! A queda do consumo tende a ser pouco significativa. Sem comparação com a queda da “entrada de tabaco no mercado português”. Desce em Portugal, mas aumenta na fronteira espanhola. E o contrabando do tabaco não desarma. E muitos fumadores converteram-se a marcas e a modalidades mais baratas. É provável que estas “compensações” que ocorreram entre 2007 e 2009 também venham a verificar-se em 2013. Aumentar a carga fiscal e recolher menos impostos constitui um efeito perverso, nos últimos tempos, mais que visto. As pessoas não são legos. E Portugal não tem que oscilar entre Sebastião e Pirro: derrotas sem luto e vitórias sem fruto.

Não conheço associações, ordens ou movimentos de fumadores. Não há risco de protestos contra a subida da tributação sobre o tabaco que encham a Avenida dos Aliados ou a Praça de Espanha. A mobilização dos fumadores desfaz-se no ar. A equidade desfaz-se em euros. Para tributar os fumadores não é necessária grande coragem. O fumador é um acossado.

Zé do Boné (Andy Capp)

Enquanto coleciona falências de empresas como não há memória, o Zé dos Tostões arma-se em conselheiro do Príncipe. Sugere ao Zé dos Votos que o Zé do Boné (alguém se lembra das suas tiras no Primeiro de Janeiro?) está mesmo a jeito para a tosquia… A ave que simboliza este país não é o galo, ainda menos a Águia, é o abutre. Parece que toda a gente sabe que quem fuma não presta. É uma ameaça pública. Quem fuma que deixe de fumar se quer ser um cidadão como deve ser. Assim manda o processo profilático de higienização social.

Fumar não presta, é verdade! Quem se aproveita disso, também não.

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