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Vítima do seguro de vida

Romances policiais

O homicídio motivado pelo resgate do seguro de vida da vítima é tema recorrente nos romances policiais. Com ou sem inspiração, o humor do anúncio Crocodile, da Ladder, é cinzento, brutesco e gratuito.

Marca: Ladder. Título: Crocodile. Agência: Fred & Farid Los Angeles. Direção: Casey Storm. Estados-Unidos, abril 2022.

Descubra as diferenças

Cartoon Illustration of Spot the Differences Educational Activity Game for Children with Insects Animal Characters Group

O mundo e o seu mistério nunca se refazem, não existe modelo que baste copiar (René Magritte).

Saiu um anúncio com a assinatura de Dan Brown: No Less Lethal, da Rubber Bullets. Balas perfuram e destroem vários objetos. Praticamente o mesmo perfil que um anúncio de 2007: Stop the bullet Kill the gun, da Choice FM. Descubra as diferenças.

Marca: Rubber Bullets. Título: No Less Lethal. Agência: Austin, Wunderman Thompson. Direcção: Dan Brown. Estados-Unidos, Novembro 2020.
Marca: Choice FM. Título: Stop the bullet Kill the gun. Agência: Amv BBDO London. Direção: Malcolm Venville, Sean de Sparengo. UK, 2007.

Sem palavras

O anúncio italiano Every people matters, da ONG Emergency, é uma história sem palavras fácil de entender. Um refugiado vende rosas. Ninguém compra. À porta de um restaurante, inteira-se que um cliente é vítima de um ataque cardíaco. Consegue socorrê-lo. Será médico? É um ser à parte, ora desvalorizado, ora ignorado. Não há migrações sem consequências. É possível aproveitá-las, mas é mais fácil deixá-las degradar.
Dizem que o Natal é todos os dias. Nunca acaba. Não há festa tão elástica. Abre semanas antes com a incontinência das compras, acaba semanas depois sem dinheiro para os saldos. Prefiro o São João. Seis meses antes do Natal, começa e acaba de um dia para o outro, sem tempo para dívidas. Comparadas com a lareira do Natal, as fogueiras de São João ardem mais em menos tempo.

Anunciante: Emergency. Título: Every person matters. Agência: Ogilvy & Mather (Milan). Direcção: Gigi Piola. Itália, Janeiro 2018.

Silêncio, que quero falar!

Woman interrupted

O anúncio da Woman Interrupted sustenta que as mulheres são vítimas de interrupção nas trocas verbais com homens. Carece investigação: as mulheres interrompidas pelos homens, as mulheres pelas mulheres, os homens pelas mulheres e os homens pelos homens. Aguardo os resultados. Confesso que, neste capítulo, acontece-me interromper as pessoas, não sei se mais as mulheres ou os homens. Deve ser uma questão de ansiedade. Mas o meu maior pecado não é esse: normalmente, não interrompo, desligo! Desligo com assiduidade e com boa consciência, sem discriminação de género.

Anunciante: Woman Interrupted. Título: An app that detects manterruption. Agência: BETC São Paulo. Brasil, Março 2017.

Transi 6: Os mortos vivos

Com este artigo termina a série Transi: Corpos em decomposição. Os artigos anteriores foram: Transi 1. As artes da morte; Transi 2: O corpo em decomposição; Transi 3: Viver com os mortosTransi 4: A didáctica da morte e Transi 5: A vida a prazo.

“A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas. De entre as muitas criaturas na Terra que morrem, só para os homens morrer é um problema. Compartem com os restantes animais o nascimento, a juventude, a maturidade, a enfermidade, a velhice e a morte. Mas apenas eles de entre todos os seres vivos sabem que vão morrer” (Elias, Norbert, La soledad de los moribundos, México, Fondo de Cultura Económica, [1982] 1989, p. 10).

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Fig 50. Transi ou Zombie? Horae ad usum pictaviensem. Manuscrito. 1455-1460. Biblioteca Nacional de França.

Mudemos de olhar para terminar em rabo de víbora.

Este texto é manifestamente parcial. A obsessão macabra resume uma faceta da Idade Média. O homem medieval também foi um apaixonado pela vida. Entregou-se aos prazeres do corpo, à dança, à ebriedade, à sexualidade, ao riso, à extravagância, à transgressão, à vitalidade, à festa, ao convívio, à confusão, ao sonho. Em diversas dimensões: na linguagem, na arte, na praça pública, no Carnaval, na missa do burro, no teatro. Não é o momento de desenvolver esta vertente. O livro de Mikhail Bakhtin A cultura cómica popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (São Paulo, Hucitec, 2008) pode colmatar esta falha.

Walker - The Walking Dead _ Season 5, Episode 15 - Photo Credit: Gene Page/AMC

Fig 51. Walker – The Walking Dead. Season 5. Episode 15. Photo Credit: Gene Page/AMC.

Os vampiros, os Frankenstein, as múmias, os passageiros crepusculares e, sobretudo, os zombies lembram os transi. O sucesso destas criaturas é inegável. Aparecem no cinema, nos videojogos, nos vídeos musicais, nas séries de televisão, na publicidade, nas fotografias, nos posters, nas t-shirts, nas tatuagens e, até, nos brinquedos. Ficção ou não, são imagens de outrora e de agora. São os nossos fantasmas.

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Fig 52. Rick Genest.

O homem medieval e o homem moderno distinguem-se quanto à identificação ou à projecção nas imagens da morte? A diferença é mais de grau do que de natureza. Quando no séc. XV, uma mulher grávida observa uma mulher grávida figurada numa dança da morte, pode admitir: aquela é como eu; eu sou como aquela; ou eu sou aquela. Historiadores consideram que a terceira alternativa é credível. Sucederá o mesmo com um espectador actual perante uma investida de zombies num filme? Ontem como hoje, somos propensos a identificar-nos com as vítimas. Mas também com os carrascos, banais ou monstruosos. Como vítimas, pense-se na síndroma de Estocolmo, mas também como espectadores (Faivre, Bernard, Martyrs, bourreaux et spectateurs, Paris, Armand Colin, 2010), sendo a passagem de espectador a actor frequente. Atente-se na violência no desporto (Murphy, Patrick; Williams, John; Dunning, Eric. O futebol no banco dos réus. Oeiras, Celta, 1994). No que respeita à identificação com a vítima e com o carrasco a diferença parece não ser intransponível.

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Fig 53. Fonte da Juventude. Fresco. 1500. Saluzzo, Castello della Manta, Sala Baronale.

Algumas personalidades medievais tornaram-se célebres ao mandar esculpir transi a partir do seu corpo em decomposição, real ou imaginado. Na actualidade, desenha-se uma tendência para tatuar transi na própria pele. O caso mais célebre é o de Rick Genest. Nem sequer faltam os necrófilos (Fig 52)! Os transi passeiam-se, hoje, de um modo inédito.

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Fig 54.George Grosz. Glad to be back. 1943.

Transumanista ou não, matar a morte está na agenda. Já matamos a morte nos videojogos e vários mega projectos apostam nesse sentido. Não é uma aspiração nova. A ideia da fonte da juventude apontava para uma forma de inverter a velhice num ciclo vital interminável. Era uma solução bioquímica.  Mas neste século a técnica é mais milagrosa. De pouco serve a lição de George Grosz: feliz, a morte não pára de renascer (Fig 54). As pessoas morrem, mas as coisas também. Nunca os objectos técnicos morreram tanto e tão depressa. O nosso século não é da eternidade, mas da obsolescência. Vamos continuar a transitar, com os olhos postos na imortalidade.

Morte jovem

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“Em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil. Destas, 30.000 são jovens entre 15 a 29 anos e, desse total, 77% são negros. A maioria dos homicídios é praticado por armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados.

Apesar dos altíssimos índices de homicídio de jovens negros, o tema é em geral tratado com indiferença na agenda pública nacional. As consequências do preconceito e dos estereótipos negativos associados a estes jovens e aos territórios das favelas e das periferias devem ser amplamente debatidas e repudiadas.

Com o objetivo de mobilizar a sociedade e romper com a indiferença, a Anistia Internacional Brasil lança a campanha Jovem Negro Vivo” (Anistia Internacional Brasil).

Anunciante: Anistia Internacional Brasil. Título: Jovem negro vivo. Agência: DM9Rio, Rio de Janeiro. Direcção: Rômulo Veiga. Brasil, Dezembro 2014.

Anunciante: Anistia Internacional Brasil. Título: Queremos ver os jovens vivos / Infografia. Agência: DM9Rio, Rio de Janeiro. Direcção: Rômulo Veiga. Brasil, Dezembro 2014.

Sinais de trânsito, sinais de vida

Human Traffic SignsA publicidade chinesa está sub-representada no Tendências do Imaginário. Um novo anúncio é bem-vindo. Este recorre a um procedimento que aprecio pouco: a encenação com vítimas, o que se traduz por uma encenação das vítimas. Parafraseando Lenine, é o pecado infantil da publicidade de consciencialização. Lembra os circos, as feiras e as galerias de monstros e aberrações em voga no século XIX (rever O Homem-Elefante de David Lynch). Neste caso, não me perturba a encenação. Para evidenciar a necessidade de respeitar a sinalização rodoviária, várias pessoas seguram sinais de trânsito ignorados no próprio local onde foram vítimas de acidente. A exposição da desgraça em carne e osso por irresponsabilidade alheia. Neste anúncio, existe criatividade, ajustamento e performance. Segue o anúncio mais o making of.

Anunciante: Buick of Shanghai General Motors. Título: Human Traffic Signs. Agência: Lowe China. China, Fevereiro 2014.

Making of: Buick. Human Traffic Sign. China, 2014.

O Ceptro e a Misericórdia

EverynoneLosers02-580x325O canal de música Vh1 acaba de lançar um anúncio (um vídeo musical com a canção I Will Survive de Gloria Gaynor) que é, à primeira vista, um manifesto contra o bullying. O próprio conceito resulta alargado: vítima, hoje; patrão, amanhã. Um bullying a dois tempos, invertido e compensado, como apraz ao nosso sentido de justiça. “Quem com ferro mata, com ferro morre”. Este anúncio não parece relevar de uma campanha anti bullying consequente. A vingança, serve-se fria? Quantas vítimas de hoje serão patrões amanhã? Sentam-se, como mártires contemporâneos, à direita do Poder? O bullying é uma fatalidade contra a qual nada se pode fazer a não ser estetizá-la?
Alto e pára a crítica! Por que motivo haveria o Vh1 de lançar uma campanha efectiva contra o bullying? É, por acaso, uma entidade oficial ou oficiosa financiada para o efeito? Não são as audiências que movem o Vh1? A miscelânea entre lucro e misericórdia corrente na publicidade “responsável” traz-nos vesgos e confusos. Torna-se cada vez mais penoso destrinçar o dedo de Deus do rabo do Diabo. São Bartolomeu nos valha! Em suma, um anúncio bem concebido e bem realizado, com um não sei quê de polémica que o vai tornar viral. Acrescento um segundo vídeo, dos Everynone, contra o bullying, num registo social e estético distinto.

Marca: Vh1. Título: I will survive. Agência: Delcampo Saatchi & Saatchi. Direcção: Agustin Alberdi. Argentina, Abril 2014.

Losers. Por Everynone e Époché Films. Música: Keith Kenniff. Produtores: Jon Messner, Alexandra Brown e Brielle Murray. 2011.

 

Dignidade

Iwaki, no Japão, foi vítima do tsunami e do acidente nuclear. Os habitantes, um ano depois, não esquecem; rezam em silêncio de olhos fechados. A seguir ao vídeo, um texto que escrevi há um ano, duas semanas após a tragédia.

Iwaki City. Pray together with us. Agência: Dentsu Tokyo. Direção: Futoshi Takashima. Japão, Março 2012.

Flor de cereja amarga

Ao quinto terramoto mais severo de que há registo, segue-se um tsunami com ondas de 13 metros que provoca um acidente nuclear difícil de controlar. Os novos cavaleiros do Apocalipse passaram pelo Japão.

Abundam as notícias e as imagens do tsunami e das sequelas do acidente nuclear. Já a reacção da população suscita perplexidade. Nem desacatos, nem vitimação pública. Em vez da expressão dramática do sofrimento, a contenção trágica da dor, imune a qualquer intrusão.

Esta postura estóica integra, há séculos, a cultura japonesa. No livro O Crisântemo e a Espada, publicado em 1946, a antropóloga Ruth Benedict observa: “Quando as águas inundam uma aldeia japonesa, qualquer pessoa que se respeite a si mesma recolhe os haveres que quer levar consigo e procura as terras mais altas. Não há gritos, nem correrias tresloucadas, nem pânico (…). Tal comportamento faz parte do respeito que uma pessoa tem por si própria no Japão, incluindo quando sabe que não vai sobreviver.”

Afigura-se-nos que o sofrimento da população japonesa não granjeou mesma cobertura mediática que outros povos igualmente castigados. Será por contenção? A um primeiro momento de estranheza, seguiu-se um segundo de compreensível pudor? Será por relevância? Poderá o olhar táctil das nossas extensões técnicas alcançar a dor oculta dos japoneses? Propensos ao “sofrimento à distância” (Luc Boltanski), serão os “ocidentais” mais permeáveis à retórica da dor do que à pragmática da dignidade?

Entretanto, com ou sem radioactividade, florescem as cerejeiras no Japão.

01 de Abril de 2011

Albertino Gonçalves