Pescoços de borracha. A curiosa arte de espreitar

Hoje, vi apenas dois anúncios. Convergem num mesmo trejeito ou propensão: da Tailândia ao Perú, o que está a dar é espreitar, espreitar aquilo que os outros possuem, fazem e sentem (vídeos 1 e 2). A privacidade e a intimidade resumem-se, quando muito, a nomes de perfumes que desmaiam no ar do tempo. A continuar deste jeito o ser humano conhecerá uma nova alteração darwiniana: pescoços de borracha (Rubberneckers, “curiosos”; vídeo 3).
Rubbernecker (Murray Head)
He is a rubbernecker
A human double-decker
Another trouble-checkerHanging around the scene of the crime
He’s got nothing to say tho’ he’ll get in the way
Cos that’s how he likes to spend his time
RubberneckerHe is a rubbernecker
A watch in any weather
He gets sadistic pleasure
Knowing he’s O.K., and free of blame
He saw it all happen, but he don’t know why
He’s glad he was there all the same.
RubberneckerOh god it’s hard to see ourselves when we’re to blame
For watching someone else do what we cannot do
For shame, for fear or pride, as long as we can hide.
RubberneckerHe is a rubbernecker
A human double-decker
Another trouble-checkerThe ever silent witness on the side
He likes to stand and stare and sniff the atmosphere
Don’t ask him for support he’s a watchman not a guide.
Rubbernecker
Translucidez
“Demasiada luz ofusca” (Blaise Pascal)

Esta breve e ligeira reflexão foi estimulada pela leitura do texto “Quando vigiado se torna vigilante”, de Pedro Rodrigues Costa, e por dois anúncios. No meu caso, os anúncios publicitários revelam-se, muitas vezes, fontes de inspiração. Os anúncios “Data Auction”, da Apple, e “Storytel’s 1954″, da agência B-Reel Stockholm, são acompanhados pelo vídeo musical ” Every Breath You Take”, dos Police.
Vivemos numa sociedade da informação, para utilizar a noção adotada, entre outros, por Alain Touraine (La Société post-industrielle, 1969) e Daniel Bell (The coming of post-industrial society, 1973). A informação ter-se-ia tornado recurso preponderante, cuja produção, posse e circulação passaria a marcar a configuração e a vida das sociedades contemporâneas. Este alcance exponenciou-se com o incremento das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação). A informação representa um poder cuja distribuição é desigual, não só em termos de posse e acessibilidade, mas também em termos de meios, modos e possibilidades de uso e mobilização. Desigualdade que parece não diminuir com o aumento da informação. Com a tendência para a generalização da vigilância, o abuso do escrutínio e o desígnio de transparência, todos passamos a vigilantes vigiados e validadores validados. Esta banalização da vigilância, caraterística dos regimes totalitários, insinua-se como uma ameaça aos regimes democráticos. Se uma sociedade totalmente transparente, sem privacidade e com escrutínio absoluto, não se assevera possível, perfila-se, não obstante, como limite para o qual propendem os totalitarismos. Constitui, aliás, sua vocação.
Trelas Electrónicas
Tomar uma torre de controlo de um aeroporto por um videojogo pode ser perigoso. O trabalhador e o posto de trabalho devem estar em harmonia. Esta é a preocupação da agência de emprego Keljob: a cada um o emprego para que está vocacionado.
Não há registo na história da humanidade de sociedades com tantos meios de vigilância e controlo como a actual. Os poderes (governo, justiça, finanças, empresas, redes) transbordam de recursos de vigilância e controlo. O mundo alberga paradoxos: A vigilância e o controlo nunca foram tão intrusivos e nós nunca nos sentimos tão livres! Há trelas e trelas! Algumas devem ser confortáveis.
A canção Space Oddity, de David Bowie, vem a preceito. Não é animadora, mas a vida não é um eterno magusto.
Carregar na imagem para aceder ao vídeo.
Marca: Keljob. Título: Tour de Contrôle. Produção: Byzance. Direcção: Gérôme Rivière. França, 2002.
David Bowie. Space Oddity. Ao vivo em 1969, ano de estreia da música.
Os drones e a protecção dos animais
Belo e inteligente. O propósito é claro: recorrer aos drones para vigiar os caçadores furtivos de África. O crescimento dos meios de vigilância também tem virtudes.
Anunciante: Over & Above Africa. Título: A Guardian. Agência: Giant Films. Direcção: Sam Coleman. Criativo: Andy Fackrell. África do Sul, Outubro 2018.