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Escrutinadores e agitadores

Teresa de Sousa, do Público, jornalista desde 1977, que admiro, escreveu hoje uma “Newsletter exclusiva para assinantes”. Venho dizendo, aproximativamente, o mesmo, embora com parcas palavras, voluntariamente, algo enigmáticas. Sem autorização para reproduzir o artigo, remeto para a fonte: https://www.publico.pt/2023/01/24/newsletter/mundo-hoje. Teresa de Sousa começa por interpelar o leitor com um conjunto de interrogações:

Caro leitor, cara leitora, não sei se já lhe passou pela cabeça admitir que algo de errado se passa neste país quando, todos os dias, surge na imprensa mais um “caso” sobre um membro do Governo que, de um modo ou de outro, afecta a sua imagem e a sua credibilidade, dominando quase totalmente o debate público. Teremos o pior Governo do mundo? Os governantes são corruptos? Não há mais nada a acontecer no país? A quem interessa esta situação? A mim, estas dúvidas colocam-se todos os dias. Por isso, decidi partilhá-las consigo ((https://www.publico.pt/2023/01/24/newsletter/mundo-hoje)).

Translucidez

“Demasiada luz ofusca” (Blaise Pascal)

Storytel’s 1984 / 2022 sounds like 1984. B-Reel Stockholm. Suécia, agosto 2022

Esta breve e ligeira reflexão foi estimulada pela leitura do texto “Quando vigiado se torna vigilante”, de Pedro Rodrigues Costa, e por dois anúncios. No meu caso, os anúncios publicitários revelam-se, muitas vezes, fontes de inspiração. Os anúncios “Data Auction”, da Apple, e “Storytel’s 1954″, da agência B-Reel Stockholm, são acompanhados pelo vídeo musical ” Every Breath You Take”, dos Police.

Vivemos numa sociedade da informação, para utilizar a noção adotada, entre outros, por Alain Touraine (La Société post-industrielle, 1969) e Daniel Bell (The coming of post-industrial society, 1973). A informação ter-se-ia tornado recurso preponderante, cuja produção, posse e circulação passaria a marcar a configuração e a vida das sociedades contemporâneas. Este alcance exponenciou-se com o incremento das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação). A informação representa um poder cuja distribuição é desigual, não só em termos de posse e acessibilidade, mas também em termos de meios, modos e possibilidades de uso e mobilização. Desigualdade que parece não diminuir com o aumento da informação. Com a tendência para a generalização da vigilância, o abuso do escrutínio e o desígnio de transparência, todos passamos a vigilantes vigiados e validadores validados. Esta banalização da vigilância, caraterística dos regimes totalitários, insinua-se como uma ameaça aos regimes democráticos. Se uma sociedade totalmente transparente, sem privacidade e com escrutínio absoluto, não se assevera possível, perfila-se, não obstante, como limite para o qual propendem os totalitarismos. Constitui, aliás, sua vocação.

Marca: Apple. Título: Data Auction. Produção: Smuggler. Direção: Ivan Zacharias. Estados-Unidos, maio 2022
Título: Storytel’s 1984 / 2022 sounds like 1984. Agência: B-Reel Stockholm. Suécia, agosto 2022
The Police. Every Breath You Take (Official Video). 1983

Vacas transparentes

Anchor transparênciaO leite faz mal? Cálcio a mais, lactase a menos, e um toque de osteoporose… A novíssima paranóia! Valham-nos os nutricionistas (vídeo 2). Precavidos, viveremos para sempre, até morrer. Se não fosse a Internet, o que seria de nós? Tem resposta para tudo. Anjo ou demónio?Vou mas é informar-me acerca do vinho e da água. Serão também uma ameaça?

Piscina de vinho para  celebrar a  nova colheita do Beaujolais Nouveau.

Piscina de vinho no Japão

Cleópatra embelezava-se com banhos de leite e os japoneses rejuvenescem com banhos de vinho. Segundo a Anchor, as vacas não se querem transparentes. O leite, tal como a água, dá-se bem no escuro.

Marca: Anchor. Título: If milk was meant to see the light, cows would be see-through. Agência: Colenso BBDO/Proximity New Zealand. Direcção: Damon Duncan. Nova Zelândia, 2003.

Denise Carreiro. Consumo do leite.

Slots

League Against Cancer. Smoke. Eslováquia, 2010

League Against Cancer. Smoke. Eslováquia, 2010

Este anúncio ilustra, de um modo agradável, como são aplicados os donativos recolhidos pela League Against Cancer, do Perú. Um anúncio equilibrado, de arqueiro que não quer falhar o alvo.

Anunciante: League Against Cancer. Título: Slots. Agência: Young & Rubicam, Lima. Direção: Gonzalo Iglesias. Perú, Setembro 2013.

Há experiências desconfortáveis. Por exemplo, o déjà vu, uma sensação vertiginosa de reviver um momento passado. Além de um déjà vu, pode-se conceber o prévu, um ápice presente que pertence ao futuro, fenómeno em voga no cinema. Em português: já visto e previsto. Atendendo, agora, ao espaço, surge o cá visto, a sensação de viver aqui o que acontece alhures, fenómeno acelerado pela globalização. Pois, neste cantinho abençoado, o anúncio da League Against Cancer, provoca uma dupla sensação de cá visto e previsto. Neste país contemplado pelas pitonisas contemporâneas com um “rating dois níveis abaixo do patamar de ‘lixo'”, os cidadãos, cobaias de um novo esperanto político, desfazem-se das misérias nas ranhuras dos slots, ou porquinhos, do Estado.  Um sorvedouro fadado a crescer e a multiplicar-se. Não se trata, porém, de um já visto. De tal aperto e de tal cerco, não acode memória real ou fictícia.Trata-se de um híbrido, uma espécie de cá previsto. Não é o Adamastor, nem o Encoberto, nem Saturno, mas o Endividado a secar os peitos da nação.

Francisco de Goya. Saturno devorando a su hijo (1819-1823)

Francisco de Goya. Saturno devorando a su hijo (1819-1823)