Recordação dos Reis

Este anúncio escapou-me no Natal de 2020. Voltou a escapar em 2021. Ia também escapar em 2022. Mas os Reis resgataram-no. Era uma pena!
Mãos

Numa apresentação dedicada às esculturas tumulares, releva-se o papel das mãos. Afirmam-se cruciais na comunicação, nomeadamente de disposições e emoções humanas. A arte privilegia-as. Recorde-se, por exemplo, Albrecht Dürer ou Auguste Rodin. O anúncio Christmas Nailed, da Tk maxx, confirma esta importância.
Egoísmo elegante

Na adolescência, quando regressava de férias a casa, a minha priminha corria a meu encontro e perguntava: “O que é que me trouxeste?” Respondia-lhe invariavelmente: “Um nada muito bonito”. Devia ter registado a patente. Para o Natal de 2013, a cadeia de lojas britânica Harvey Nichols concebeu uma coleção de prendas insignificantes com marca de luxo: palitos, elásticos, clips, devidamente etiquetados e embalados. O mote era simples e atraente: Sorry I Spent It On Myself, ou seja, não há nada como investir o máximo no próprio e deixar o resto para os outros, incluindo os mais íntimos. Antes de pensar duas vezes, pense primeiro em si! Escusado será acrescentar que a campanha foi premiada e bem-sucedida.
A importância dos objetos

Separados pelo confinamento, avô e neta aproximam-se graças às novas tecnologias e a um pequeno urso de peluche. Os objetos são bons meios de comunicação e comunhão. Uma jangada de afetos. Um anúncio da NOS, pela agência HAVAS Portugal.
O Pai Natal na publicidade. Glória e crise.

A maior mentira dos pais aos filhos não se refere à existência do pai Natal mas à promessa tácita de que as suas prendas os tornarão felizes (Laurent Gounelle, L’Homme que voulait être heureux, 2008).
Tenho andado ausente. Encalhei na Ilha de Sísifo. Perde-se tempo e não se ganha alento. Este artigo é gordo como o Pai Natal. O texto é esquelético mas os exemplos são muitos.
O Pai Natal mágico, risonho e rechonchudo, com barba branca e roupa vermelha, de trenó e na chaminé, é uma enorme fantasia da humanidade, que se espelha na publicidade. Mas tenho a impressão que cada vez menos. Perfila-se uma certa erosão.
No início de Dezembro, identifiquei 16 anúncios de Natal. Todos de grandes marcas. O Pai Natal propriamente dito aparece apenas em três: Coca-Cola, Oreo e Orange. Em outos três anúncios, Rema 1000, Bouygues e NOS, o Pai Natal resume-se a uma pessoa disfarçada. Oito anúncios (Globe Telecom, McDonald’s, Holiday, Migros, Admas Day, John Lewis, Fedex e Posten) recorrem a figuras alternativas ao Pai Natal. Por exemplo, o ET ou o dragão. Os dois anúncios restantes, da Macy’s e da Virgin, envolvem questões de género.
Do conjunto de anúncios, só encontrei três com a presença do Pai Natal original: o anúncio positivo da Coca-Cola, marca de que o Pai Natal é “embaixador”, o anúncio da Oreo, em que o Pai Natal quase não se vê, sendo o protagonista um duende, e no anúncio dúbio da Orange em que o Pai Natal é armadilhado e capturado por um grupo de crianças.
“En el spot [de Coca-Cola] se ironiza con cariño la conducta de Papá Noel, un hombre extraño que llega de una tierra misteriosa y entra a las casas sin ser invitado, pese a lo cual las personas siempre eligen ver su bondad por encima de todo” (https://www.adlatina.com/publicidad/preestreno-regional-de-la-campa%C3%B1a-navide%C3%B1a-global:-santo-coca-cola-y-santa-claus-proponen-aceptar-las-diferencias).
Graças às bolachas Oreo, nasce uma amizade entre um duende e um empregado de uma loja de conveniência que culmina numa viagem no trenó do Pai Natal.
O anúncio da Orange coloca o Pai Natal numa situação, no mínimo, embaraçosa. Graças às conexões electrónicas, um grupo de crianças, enfants terribles, sequestra o Pai Natal. A crise da imagem do Pai Natal começa a esboçar-se.
Os três anúncios seguintes convocam o “espírito” do Pai Natal, mas o protagonista é um ser humano disfarçado. No anúncio da Rema 1000, o “pai Natal” não consegue entrar na casa inteligente, submetendo-se a uma série de infortúnios. No anúncio da Bouygues, o pai, que imita ao telemóvel o Pai Natal, é surpreendido pela própria filha. No anúncio da NOS, uma rapariga acredita que uma determinada pessoa é o Pai Natal. Esta última acaba por se disfarçar de Pai Natal. Uma “predição criadora”.
Embalar a felicidade
Houve tempos em que se criava aquilo que se dava. Com a prenda, ia parte da pessoa. Eram “boas obras”! Hoje, compra-se o que se dá. Vendemo-nos embalados. Em vez de boas obras, temos boas mercadorias. “A felicidade não se compra”, mas vende-se! O pai queria criar uma prenda pessoalizada. Estamos na ordem do desejo. O pai acaba por comprar uma Play Station 4. Cedeu ao princípio de realidade. Este anúncio é ousado. O sonho da dádiva pessoalizada resiste e há muito quem suspeite da massificação pela mercadoria. Talvez a Play Station 4 esteja para além do desejo e da realidade.
Marca: Otto. Título: Handmade. Agência: Heimat, Berlin. Direcção: The Perlorian Brothers. Alemanha, 2014.
Comunicação intergeracional
O Natal é a festa da família e da partilha. Reúnem-se várias gerações, desde o menino Jesus, acabado de nascer, até ao Pai Natal, que perdeu a conta à idade. E enquanto damos e recebemos, vamos passando o testemunho. Neste anúncio porto-riquenho, a relíquia é transmitida cerimoniosamente de pai para filho, de geração em geração, mas o tempo já é de primavera e a relíquia é tudo menos natalícia. Quanto ao resto, é surpresa: brinde ou fava!
Produto: Stride Gum. Título: Heirloom. Agência: JWT San Juan, Puerto Rico. Direção: Luis Gerard. Porto Rico, Março 2009.