Falar com imagens

Quer-me parecer que os orientais possuem o dom da argumentação com imagens. E não com quaisquer imagens! Com imagens fantásticas e delirantes. Convocam imaginários absurdos e logram um efeito mais consequente e convincente do que a própria realidade do real. As campanhas de sensibilização da Thai Health Promotion Foundation são um bom exemplo.
Avalanche de imagens

Estou a ver A Roda do Tempo. Queixo-me ao meu rapaz: tudo passa muito depressa. Estás desfasado. Agora não é como dantes! Parodia, em câmara lenta, as cenas do Tarkovsky, do Bergman, do Fellini, do Kurosawa, do Oliveira… Mas condescende: o primeiro episódio é o mais concentrado, inicialmente estava previsto ser desdobrado em dois. Resisto: o Senhor dos Anéis é lento! Repara, o conjunto dos livros da trilogia dos Senhores dos Anéis tem cerca de 1 230 páginas e os três filmes duram 12 horas; os 14 volumes da Roda do Tempo têm mais de 11 000 páginas e a primeira temporada dura pouco mais de 7 horas. Parece um cocktail [um shot?] de economia e estética. A juventude hoje sabe tudo!
Sinto-me ultrapassado. Estranho estas avalanches de imagens aceleradas, densas, acentuadas e cortadas. Opto por me refugiar na publicidade. Estava longe de suspeitar o que me aguardava. Nem me apetece comentar.
“For the launch of their new horror series Resident Evil this week, global streaming platform Netflix installed a terrifying live installation on the streets of Santa Monica. Created by US creative agency, Founders, part of By The Network, the activation takes place on one of Santa Monica’s busiest streets. Played out by an actor, a man infected with the T-Virus (the virus from the series) is imprisoned in a huge glass cage and over the space of four hours turns into a Zero (the frightening infected creatures from the series) before breaking free from the cage and chasing into the crowd, thirsty for blood. The TikTok film has already attracted over 15 million views, and counting” (https://www.adsofbrands.net/en/ads/netflix-resident-evil/14451).
Mudo para uma base de dados francesa. Espera-me uma declaração de amor pátrio precipitada num carrossel de imagens fugidias e músicas sincopadas. Tamanha velocidade ultrapassa-me!
Gosto de gostar. A sinfonia da Audi

No enfiamento da apresentação de alguns anúncios publicitários com conteúdos que geram “efeitos musicais”, acrescento a Audi Sinfonie, criada pelos bauhouse, uma obra ousada e extraordinária. Das oito partes que compõem o concerto, selecionei a primeira e a terceira. Pode assistir ao conjunto da sinfonia no seguinte endereço: https://bauhouse.de/audi-sinfonie/. O anúncio Big Entrance, também da Audi, oferece-se como uma espécie de prolongamento da Audi Sinfonie. Foi filmado em Odessa, na Ucrânia.
“‘Sinfonie’ teve a sua estreia no Le Grand Palais, em Paris. Seguiram-se mais concertos em Buenos Aires, Vilnius, Riga, São Paulo, Berlim, Xangai, Viena, Paris novamente, Estocolmo, Moscovo e Tóquio.
Colaborámos com diferentes orquestras, por exemplo, Orquesta Sinfónica Ciudad de Buenos Aires, Orquestra Sinfônica Nacional da Lituânia, Konzerthausorchester Berlin, Orquestra da Ópera Nacional da Letônia, Orquestra Filarmônica da China, Orquestra Lamoureux, Orquestra Nacional Russa e Nova Filarmônica de Tóquio (…).
‘Sinfonie’ foi premiado com o Bronze na categoria ‘Melhor Composição Musical/Design de Som’ no Art Directors Club Awards 2009, Berlim” (da página dos bauhaus: https://bauhouse.de/audi-sinfonie/).
Os membros dos bauhouse são Fabian Grobe, Clemens Wittkowski, Arno Kraehahn, Max Renne.
Música e imagem

“Nunca tenho receio do “excesso” – excesso de amor, liberdade, imaginação ou respeito, porque essas coisas são imateriais e emocionais e não podem ser medidas ou limitadas” (Khatia Buniatishvili).
Quando penso na música clássica a render-se à imagem contemporânea, acode-me a talentosa pianista francesa de origem georgiana Khatia Buniatishvili. Um prodígio que não teme excessos! A “pop star do mundo da música clássica”. Quem mais poderia ser?
Pós-modernidade avançada

Tudo no anúncio Get Out And See The Worlds, da Meow Wolf (https://meowwolf.com/), é grande. Grande a Meow Wolf, “uma empresa americana de artes e entretenimento que cria instalações de arte imersivas em grande escala, bem como produz conteúdo de streaming, vídeos musicais e festivais de arte e música” (https://en.wikipedia.org/wiki/Meow_Wolf); grande a agência de publicidade, a Wieden+Kennedy, uma das melhores do planeta; a produtora Biscuit Filmworks; e o próprio anúncio, dois minutos e meio de imaginação e efeitos especiais. Anuncia-se a inauguração de um gigantesco “parque temático” em Denver, a Convergence Station, com resmas de km2, cenários, artistas, performances, mundos paralelos, alta tecnologia, imersão e emoção. Lembra-me o comboio fantasma da minha infância. Estimo o anúncio e o projeto tão interessantes que, caso regresse às aulas, que penso passa-lo aos alunos como exemplo de recurso à tecnologia, ao fantástico e ao grotesco na era da pós-modernidade avançada.
Sushi
Pensamento oriental do dia: A quem se põe em bicos de pés, algum dia escorregará o tapete.
Publiquei o anúncio japonês Meeting, da Gin No Sara, há mais de seis anos. Lançado em 2010, é um anúncio merece ser recordado. O meu comentário foi, então, lacónico:
Este anúncio é especial. E não parece. É uma construção de 2º grau: um anúncio que parodia e caricatura a publicidade. O resultado é singular e didáctico. Vale a pena estar atento ao extremo oriente.
Prossigo lacónico. O anúncio parodia com humor uma reunião de direcção de uma agência de publicidade. Parodia, também, um processo de decisão. Prossegue com uma performance. Encadear situações díspares comporta riscos. Não detectamos, porém consequências perversas. Ajuda, provavelmente, o facto de o corte entre as duas partes ser ostensivamente assumido. A performance com o casal de jovens combina simplicidade e comunicatividade. A publicidade preza o isomorfismo, bem como a alegoria. A ligação entre o “lego humano” e o sushi é brilhante. Ambos lembram o Yin-Yang.
Para terminar, uma actuação ao vivo do grupo japonês Wagakki Band.
Marca: Gin No Sara Sushi Delivery. Título: Meeting. Agência: Dentsu Tokyo. Japão, Março 2010.
Traditional Japanese Modern Music Dance. Wagakki Band. Live.
Livrai-nos do mal

Caravaggio. São Mateus com o anjo. 1602.
1. Não julgueis, e não sereis julgados. 2. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos (Mateus 7:1,2).
Os anúncios da PETA trazem-me confuso: trata-se de uma campanha de uma ONG para o “tratamento ético dos animais” ou de uma série de horror? De qualquer modo, atendendo ao propósito, chocar com choque, distinto de “dizer chique com choque”, os anúncios da PETA são notáveis.
Anunciante: PETA. Título: Les Dessous du Cuir. Agência: Ogilvy & Matter. Tailândia, Maio 2016.
A escada para o céu
O anúncio Camionushka, da Ford Argentina, apresenta um, dois, três, quatro, cinco camiões, cinco camiões empilhados. Tudo igual ao mesmo em equilíbrio e movimento.
“Camionushka me parece que tiene un humor justo y cuenta de manera casi literal el feauture del producto. Fue un enorme desafío poder hacerlo, con pruebas previas, cálculos, medidas, pesos, etc.” (Toni Waissman, direcção geral criativa, agência Blue Hive).
“Camionushka nos cautivó desde un primer momento ya que lograba plasmar los 4 pilares de este producto: robustez, seguridad, tecnología y confort” (Juan Carlos Janocko, gerente de vendas e marketing dos camiões Ford).
Nada de valores pós-materialistas (Ronald Inglehart, The silent Revolution, 1977), nada de afrouxamentos líquidos (Zygmunt Bauman, Liquid Modernity, 2000). Nem sequer o Van Damme do anúncio aos camiões Volvo ou a respectiva paródia aérea com Chuck Norris.
Uma vez sobrepostos, estes camiões lembram uma escada, a escada do sonho de Jacob, em versão peso pesado.
Anunciante: Ford Argentina. Título: Camionushka. Agência: Blue Hive Argentina. Direcção: Roi Ricci. Argentina, Abril 2016.
Marca: Volvo. Título: The Epic Split Feat. Van Damme. Agência: Forsman & Bodenfors, Gottenburg. Suécia, 2013.
Paródia do anúncio da Volvo, com Chuck Norris. 2013.
O caos e o código
“Isn’t it something that a single breath has the power to spawn an entire storm a thousand miles away? We cannot predict it. We can only bear witness to the wonder” (anúncio Chaos Theory).
Há anúncios invulgares, que convocam a desordem para albergar o improvável, a modos como o surf, o deslize em ondas que não voltam. Uma estética que concilia performance individual e comunhão tribal. Um anúncio excelente. Inspirador.
Para aceder ao anúncio, carregar na imagem.
Marca: World Surfing League. Título: Chaos Theory. Agência: Mistress. Direcção: Dan DiFelice. USA, Dezembro 2015.