Outros tempos. Top of the pops com rugas 1

Estou a iniciar uma série de entrevistas a pessoas de idade centradas em determinados períodos da sua vida adulta. “Não te vai ser fácil, comenta uma amiga, a memória está-lhes sempre a fugir para a infância e a juventude”. Revisitei, “como quem se despede”, as entrevistas que promovi com pessoas maiores. Na verdade, o prazer da conversa tende a desviar-se para os tempos remotos estimados mais felizes. Agora, com quase cinquenta e treze, creio que me está a acontecer o mesmo. A memória teima em saltar as últimas décadas e a demorar-se na meninice e na adolescência. Até ao aniversário, vou regalar-me com melodias “daqueles tempos”, uma espécie de “tops of the pops” com rugas.
Sentir-se bem
“o homem nasceu para o prazer. Sente-o.” (Blaise Pascal).
“A maior parte das coisas que dão prazer não são razoáveis” (Montesquieu).
O vento leva, o vento traz. Retomo este artigo adiado há dois dias.
Funciono por vagas. Ora música, ora publicidade, ora imagens, ora escrita. Assim me disperso. Esta semana, escrevi, escrevi, escrevi: ruminação obstipada com destempero de letras. Coisa séria e ensimesmada. Apetece-me fechar as palavras e abrir a janela às notas, à música. Deixar entrar prazer descontraído. Com os olhos desembaciados. Quero sentir-me bem! Com minudências. Por exemplo, a partilhar Bobby McFerrin, Anne Murray e Nina Simone.
Bobby McFerrin. Sing! Day of song – Improvisation. Ao vivo. Veltins arena. 2010.
Portas

É virtude da publicidade estar em cima do acontecimento. Ontem, o confinamento; hoje, o desconfinamento. O símbolo do confinamento é a porta que se fecha; o símbolo do desconfinamento é a porta que se abre. Que se abre ao outro. A imagem da porta está omnipresente neste duplo anúncio do Intermarché. Mas são, agora, portas prestes a abrir-se. O anúncio “Je désire être avec vous” é a promessa do desconfinamento, o cortejo do fim da ausência, cujos detalhes se alinham a rigor, incluindo a voz de Nina Simone. Há anúncios que não precisam dizer muito para dizer mais. Sentimo-nos bem quando vemos a classe passear no ecrã.
Avec vous, Intermarché l’a été tout au long de cette crise, dans ces moments difficiles. Nous serons ravis d’être à nouveau avec vous pour un très bon moment cette fois, en vous aidant à préparer le meilleur des dîners avec ceux qui vous ont tant manque (https://www.youtube.com/watch?v=NL9K5BQPTXA).
Encapar a realidade

Quando ocorre uma efeméride, costumo recolher os anúncios alusivos. No Dia Internacional da Mulher, não fui bem sucedido. Provavelmente, por vício do olhar ou erro de lugar. Retive o poster da Time, comemorativo dos 100 anos do direito a voto das mulheres. Acompanho o meu reconhecimento com a canção Four Women (1966), da Nina Simone, num vídeo relativamente raro e antigo, que não consegui datar.
Os óculos do Pai Natal
Estamos na estação da generosidade. Começa lá para o Halloween e acaba com o S. Brás, senão com o Carnaval. Quanto o calendário se pautava pelos trabalhos agrícolas, este era, com escassas colheitas, um período de alguma miséria, logo de partilha. As sociedades camponesas quase desapareceram, mas continuamos a trocar prendas. O Pai Natal continua incansável a cruzar a noite com o seu trenó de renas. Mas acontece confundir-se para desconcerto das crianças e dos adultos. O Pai Natal não envelhece, mas está a perder a visão. Baralha os pedidos. Precisa de usar óculos. A Générale d’Optique oferece os óculos. A ele e a mais 25 000 pessoas. Mas o Pai Natal não tem óculos? Uma pesquisa relâmpago sugere que quando é uma pessoa, como no anúncio, costuma usar óculos. Sucede o contrário quando é um desenho. Não percebo.
Marca: Générale d’Optique. Título: Un Noël presque parfait. Agência: La Chose. Direcção: Hugues de la Brosse. França, Novembro de 2018.
Oração II
Reza-se de joelhos e de pé, de cabeça baixa ou erguida, de pé atrás ou à frente, de olhos fechados ou abertos, de cor ou de improviso, em silêncio ou não. Nem sequer é fácil saber quando se está ou não a rezar (Marcel Mauss, “La prière”, 1909). Nina Simone, Don’t Let me Be Misunderstood, ao vivo.
Nina Simone. Don’t Let Me Be Misunderstood. 1964. Live 1968.
Os cabelos do verdadeiro amor
Férias! Nada como mudar de disco! Há grandes músicas que antecedem grandes mudanças… Nas ciências sociais, interpretam-se as grandes e as pequenas mudanças, mas raramente se anunciam. Há uma pequena diferença entre um precursor e um leitor.
Nina Simone. Black is the color of my true love’s hair. 1959. Ao vivo, com Emil Latimer, c. 1969.
Vozes e ecos
Além de Lisa Gerrard, há outras vozes. Nina Simone é um espectáculo em palco: canta, toca piano, conversa, resmunga com o público e dança à africana (Nina Simone – Live in Montreux 1976: https://vimeo.com/36880003). Gosto, há demasiado tempo, de Don’t Let Me Be Misunderstood (1964). Gosto de tanta coisa! Sou um omnívoro. Um pinga-amor pós-moderno. Quando não gosto, faço como. Não é verdade! Quando não gosto, sou mais ácido que o H2SO4.
Falta tempo a este artigo. Estou a corrigir testes. É uma bênção. Graças aos testes, os professores vão para o céu. Pentear nuvens. Este artigo resume-se a um eco. A Internet está cheia de ecos. O encadeamento digital da mesmidade. A página com a canção Don’t Let Me Be Misunderstood soma 10 251 409 visualizações! Somos um eco infinitamente pequeno, mas com direito a registo.
Carregar na imagem para aceder ao vídeo.
Nina Simone. Don’t Let Me Be Misundestood. Broadway-Blues-Ballads. 1964.
Azul e vermelho
Azul e vermelho, água e fogo, fogo por dentro, fogo por fora, o que é? Pelo sim, pelo não, não deite água insalubre no automóvel. Pode ter calores que requeiram resfriamento urgente. Em suma, um bom anúncio cómico e disparatado.
Marca: Takis. Título: Windshield Wiper. Agência: Publicis Dallas. Direção: Nicolas Lyer. USA, Novembro 2013.
Nina Simone. Beautiful land.
Azul e Preto
Há bons anúncios com fluídos em câmara lenta. Mas este, do Chelsea, não desmerece, sobretudo, pelo apuramento estético. Azul é agora a cor do José Mourinho; preto é a cor dos cabelos do verdadeiro amor da canção de Nina Simone.
Marca: Adidas. Título: It’s Blue, What else matters? Agência: TheCorner, London. Reino Unido, Julho 2013.
Nina Simone. Black is the color of my true love’s hair.